Abre a janela da favela
Você vai ver a beleza que tem por dentro dela
(Ponto de Equilíbrio, “Janela da Favela”.)
Esse texto nasce em um momento oportuno. Recordei através de um amigo que no dia quatro de novembro é o “dia da favela”, o que em meu humilde ponto de vista seria o dia de enfatizar historicamente os nossos territórios (o lugar onde aprendemos a viver) como espaços de resistência, transformações e luta.
Porém, o termo “favela” ainda provoca muitas polêmicas entre pessoas que moram dentro e fora dela. Há os que tem orgulho de ser favelados, cria das favelas e compreendem a importância de se reconhecerem parte desse termo que carrega uma história importante sobre quem somos e o que queremos. Mas há também aqueles que acreditam que a palavra “favela” significa algo negativo, que pode trazer uma imagem “pesada” ou de inferioridade para o que deveria ser chamado de “comunidade”. E há recentemente aqueles que acham “favela” algo “alternativo”, “diferente”, quase um “estilo de vida” ao ponto de transformarem nossa realidades em caixotes coloridos (palco de atração para eventos majoritariamente brancos), ou por exemplo, produto turístico para gringos que querem sair um pouco de suas vidas em “comunidade” e experimentar o sentimento “exótico” que é ser favelado por um dia.
Identificamos aí uma contradição. Enquanto nós “favelados” digladiamos à procura de uma nova (que não tem nada de nova) definição para a nossa história, o termo “favela” tem feito parte do mercado branco e elitista, sem direito a balas e tiros reais vindo dos céus.
O fato é que há pouco conhecimento por parte de toda a sociedade acerca de como “as favelas” surgem no Brasil, e de como a origem desse termo e de nosso território ao mesmo tempo em que aponta para as bases coloniais e escravocratas do nosso país. São memórias de nossa cultura e de nossas formas de organização e resistência frente ao racismo e descaso das “políticas” – que, na maioria das vezes, só lançam olhares para nós (favelados ou indivíduos em comunidade?) quando somos parte ou produto de seus interesses. Foi assim na escravidão, passou a ser assim com o surgimento das favelas e perdura até os dias de hoje.
Compreender pouco acerca de nossa própria história (o que parece inclusive ser um dos objetivos de algumas políticas atuais) nos faz reproduzir preconceitos e auto-percepções negativas sobre nós mesmos. Qual o problema em ser, nascer, ter orgulho de ser favelado? E quais indivíduos, sejam eles brancos ou negros, ricos ou pobres, patrões ou trabalhadores não vivem em comunidade? Em meu ponto de vista, o termo “comunidade” além de criar uma generalização acerca das formas que vivemos, existimos e resistimos historicamente, cria uma falsa sensação de que a vida na favela é parecida com comunidades ao estilo de Casa Forte, bairro de elite de Recife.
“Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci, e poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem o seu lugar”.
Me pergunto se essa noção de “comunidade” muito difundida pela mídia elitista dialoga com o sentimento presente na letra de MC Cidinho e MC Doca. Acredito que vivemos em tempos onde a criação de novas palavras, termos, conceitos são ferramentas discursivas perigosas. Capazes de apagar de nossa memória até mesmo quem somos. Não reconhecer que somos “favela” é perigoso quando precisamos dessa auto-afirmação e identidade para falar sobre nossas construções históricas e necessidades de mudança.
Na favela tem marginalidade? Tem crime? Tem morte? Tem drogas? Tem! Todo mundo sabe! Mas na favela também tem gente fazendo educação popular, também tem filhos sendo os primeiros da família a serem aprovados no vestibular, tem coletivos e movimentos culturais apontando que não é essa realidade que queremos viver e compartilhar com os nossos! E não tenho medo de dizer que metade dos problemas que temos não são provocados por nós – muito pelo contrário: são gerenciados por uma elite que também é histórica e que vende a imagem de “comunidade” como uma tentativa de vender uma “paz” que não existe e que é promovida através de muito sangue.
Para finalizar: quando ouço alguém da “favela” falando em “comunidade” me lembro de pessoas “negras” dizendo que são “morenas”. Não as culpo, mas isso é assunto para um próximo post.
Para compreender mais sobre o assunto e seguir nas reflexões, acesse o texto abaixo.