O navio negreiro volta a atracar no cais, e uma sorte de coisas incertas, difíceis, cruéis começam a acontecer.
Nesses últimos dias, vi nas redes sociais, duas imagens que me deixaram triste e envergonhada. A primeira era a fotografia de um policial militar negro, na traseira de uma caminhonete, mantendo um rapaz também negro imobilizado entre as suas pernas pelo pescoço. A segunda foi a vergonhosa fila indiana feita de moradores do Jacarezinho, “suspeitos” sendo levados para averiguação na Cidade da Polícia. A dureza das imagens nos alerta para a marcha de recrudescimento de ações em que, de forma acelerada e muda, estamos inseridos. É a mesma postura empregada pelo estado, isto é, de uma mesma elite branca, católica, escravagista, que há mais de 500 anos governa esse país.
Independente do conceito que norteia as duas forças policiais do estado no Rio e das orientações dadas a seus agentes durante sua formação, que são diferentes, as duas atitudes chocam pelo retrocesso, pela postura que nos remete à vergonha da escravidão, da humilhação, do açoite. É de quem a mão que bate, a mão que fere, a mão que açoita? É aquela que nós vemos? A culpa é de quem? Da favela? Do morador? Da sociedade? Da polícia? Do estado? Ou do conjunto da obra?
Aposto no conjunto da obra, independente de dosagem de cada um. Nós, enquanto conjunto, temos, para cada vertente, a parte que, parafraseando Chico, nos cabe neste latifúndio de responsabilidade pelo avanço largo, afoito, faminto do açoite. Permitimos que chegássemos a isso quando nos calamos e continuamos mudos, impassíveis, absortos, abobalhados, diante do avanço da direita escravocrata. Até quando?
A impassibilidade a que chegamos é assustadora. A letargia se abateu sobre nós. As esquerdas seguem cada dia mais distantes e vaidosas, a direita se reorganiza mais virulenta e controladora, e o conjunto da sociedade apenas vê ruir tudo a sua volta. O que está acontecendo conosco? Que diabo de vírus do sono é esse que nos mantêm imóveis?
Não adiantam só as grandes análises sociológicas, jurídicas, filosóficas para embasar o que estamos vendo diariamente. É preciso coragem – coragem para dizer que todos fazemos parte do conjunto dessa obra, que temos o direito e o dever de participar, sinalizar o que não gostamos, manter em foco o desrespeito empregado pela forças estatais e nos preparar para as próximas eleições, trabalhando nos seus núcleos de forma ativa.
Precisamos dar nas urnas a respostas aos novos escravocratas, afinal, os velhos novos “escravos” sabem votar. É fundamental mudar o quadro que aí está, e que certamente tende a piorar a cada dia, para que possamos rumar para um futuro onde todos possam ter a chance de viver de forma socialmente digna, harmônica, humana, plural.
Ei, levante-se!