Enquanto professor, engajado na luta com outros companheiros em greve há mais de dois meses, não pude conter a emoção ao ler o texto do companheiro Rumba Gabriel sobre Carlos Eugênio Paz, também conhecido como “Clemente”. Ainda enquanto professor, estou certo de que para formar brasileiros combativos e justos, para formar o que nas favelas popularmente chamamos de “sujeito homem”, mais vale o exemplo do que admoestação, mais vale a ação do que a exortação. Mostrar na prática. Por estas razões, quando falo de política com a garotada do Ensino Medio, sempre menciono o exemplo de pessoas como ele.
As palavras se esvaem com o tempo. Mas os belos feitos, por outro lado, permanecem para sempre na memória dos homens. Neste sentido, todos nós temos a obrigação de mostrar aos jovens brasileiros o que significa ser um homem. E, diante das circunstâncias, a melhora forma de fazer isto é mostrar como se vive um homem, mostrar, para citar apenas alguns exemplos, como viveu Carlos Marighella, Câmara Ferreira, Carlos Lamarca, Eduardo “Bacuri” Cohen Leite e com certeza Carlos Eugênio Paz “Clemente”.
Em 1967, com apenas 17 anos, momento em que muitos dos jovens, não vendo problema algum em viver em um país sem liberdade, entregavam-se ao desbunde e à apatia política , Carlos Eugênio Paz ingressou na organização guerrilheira Ação Libertadora Nacional ou simplesmente ALN, fundada por Carlos Marighella. Em 1973, quando a guerrilha brasileira vivia seus momentos finais, “Clemente” continuava não apenas vivo, mas ativo na luta como comandante nacional da ALN. Era seguramente um dos militantes mais preparados, pois, mesmo sendo perseguido ferozmente pelos militares, muitos dos quais instigados por altas recompensas reunidas entre empresários, jamais foi preso.
Aliás, mesmo que seja uma mera coincidência, não deixa se ser auspiciosa a semelhança entre as siglas ALN e ANF. Afinal, para que a Agência de Notícias das Favelas possa realizar plenamente o seu objetivo, qual seja, fazer com que o favelado conquiste por meio da luta os seus próprios canais de comunicação e informação, a sigla ANF também pode ser lida como Aliança Nacional das Favelas. Pois somente por meio da formação de uma ampla frente popular será possível construir o cenário político no qual uma agência de notícias feita por moradores de favelas seja verdadeiramente respeitada.
Se tivermos tudo isso em mente, torna-se claro o que está por trás das críticas feitas ao “Clemente”, um brasileiro que não apenas ousou lutar de armas na mão contra a ditadura, mas que é “sujeito homem” o bastante para não vir a público hoje com conversa de “madalena arrependida”, de bom moço, ou mesmo se colocar como vítima, como coitadinho, fazendo da pena alheia a máscara para uma covardia que não ousa dizer o nome. Tratava-se de uma guerra, ora bolas! O inimigo, que ainda está aí, se utilizando de meios mais sutis, era capaz de coisas horrendas, descritas, por exemplo, no dossiê Brasil Nunca Mais.
Indo um pouco além, o que talvez está por trás destas críticas é um esforço para que permaneça na lembrança dos jovens a ideia de que não vale a pena lutar. O que está talvez por trás destas críticas ao” Clemente” é a mesma atitude que, em um contexto mais recente, já em plena democracia, no qual as armas talvez não sejam mais necessárias, tentou calar de todos os modos líderes comunitários combativos, como André Fernandes, Rumba Gabriel e tantos outros que atuaram e continuam atuando no espírito do MPF e do Favelania. Estes líderes chegaram a ser ameaçados na década de 90 com a antiga Lei de Segurança Nacional! E isso não porque pegaram em armas, como “Clemente” o fez quando o momento assim exigia, mas porque, no mesmo espírito, defenderam a ideia de que somente o povo pode conquistar a sua própria cidadania, apenas os favelados podem ser os sujeitos de suas próprias ações.
Viva Clemente! Viva o MPF! Viva a Agência de Notícias das Favelas!