O Estado brasileiro acaba de ser condenado em uma corte internacional por negligência na investigação de duas chacinas ocorridas na Nova Brasília, Complexo do Alemão, durante os anos 1990. A Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) sentenciou o país a uma série de medidas para melhorar o controle externo das polícias. O caso foi reaberto em maio de 2015, depois de passar 15 anos tramitando na Comissão Interamericana.
As chacinas aconteceram em outubro de 1994 e maio de 1995 durante incursões policiais na Nova Brasília. 26 jovens morreram e três meninas foram violentadas e torturadas por agentes de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. Cerca de 120 policiais participaram do massacre. Testemunhas afirmam que as vítimas foram executadas mesmo em posição de rendição, mas os homicídios foram registrados como autos de resistência, não sendo investigados devido à presunção de que as mortes teriam sido em decorrência de confrontos. A ausência de procedimentos imparciais resultou no não esclarecimento dos fatos.
Na sentença, foi determinado que as investigações da chacina de 1994 sejam conduzidas de forma eficaz e que se inicie ou reative a investigação da chacina de 1995. A Corte destacou que “a violência policial representa um problema de direitos humanos no Brasil, em especial no Rio de Janeiro”, onde “entre as vítimas fatais de violência policial, estima-se uma predominância de jovens, negros, pobres e desarmados”, além do fato de que o Estado brasileiro violou ainda o direito à proteção judicial das vítimas.
Uma das decisões mais importantes foi também o reconhecimento da ausência de investigação dos crimes de violência sexual, agravada por terem sido praticados por agentes do Estado, caracterizando uma forma de tortura. O órgão afirma que “as mulheres residentes em comunidades onde há ‘confrontos’ geralmente deparam uma violência particular, e são ameaçadas, atacadas, feridas, insultadas e, inclusive, objeto de violência sexual em mãos da polícia”.
– Esta decisão tem muita relevância por se tratar da primeira sentença da Corte Interamericana em um caso brasileiro que aborda a impunidade da execução de jovens negros e moradores de comunidades de baixa renda, em decorrência de ações das polícias Militar e Civil, avalia o pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER) Pedro Strozenberg.
A diretora do Programa do Brasil no Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) Beatriz Affonso concorda:
– A sentença reconhece que violência perpetrada pelos agentes de segurança pública do estado do Rio de Janeiro é cometida em um contexto sistemático, e conta com a omissão dos administradores de justiça para que essas ocorrências não sejam investigadas e os responsáveis punidos, fomentando uma dinâmica contínua de impunidade como causa e consequência da violência de estado.