Foi tudo com um desejo, uma vontade de ver as crianças investirem seu tempo em algo que as ajudassem a ter um pouco de esperança naquilo que elas mesmo fariam. Assim nasce o Favela Art, projeto da moradora Mariluce Mariá, do Complexo do Alemão, que queria fazer as crianças da favela enxergarem em cores aquele mundo tão escuro onde vivem.
Com o funcionamento do teleférico, os turistas vinham e, ao desembarcarem na última estação, sempre se deparavam com crianças pedindo alguma ajuda. Aquilo me machucava por dentro. Algo precisava ser feito. Além da vista, que realmente é muito bonita, os turistas também sentiam a necessidade de levar uma lembrança original da favela. Em primeiro lugar, foram criados souvenires de MDF com pinturas coloridas alusivas à favela. Era tudo muito rústico ainda, mas todos os visitantes gostavam. Aquilo se tornou nossa fonte de renda por um longo tempo, mas havia necessidade de aprimorar. A Mariluce Mariá, observando que, além do apreço dos turistas, as crianças também se amarravam, teve a grande sacada de criar o Favela Art.
As cores fortes sempre foram um fator determinante no Favela Art. Elas são quase hipnóticas, e isso foi muito importante para trazer as crianças para o mundo da arte. Fazê-las se envolverem com pinceis, tela e tintas foi importante, assim como fazê-las entenderem que aquelas pinturas iriam trazer renda e um futuro possível ainda é uma grande lição.
Os primeiros passos de colorir espaços antes com sem vida foram os maiores de todos os desafios. Esses locais hoje servem como laboratórios de arte móvel ao ar livre. Hoje, o Alemão já soma mais de 40 locais coloridos pelo projeto, todos com a participação de mais de 180 crianças que, junto com a artista plástica Mariá, estão dando mais vida à favela.
O patrocínio dessas ações era oriundo das vendas dos produtos que o Favela Art vendia para os turistas na estação Palmeiras do Teleférico do Alemão. Metade do valor de cada tela produzida pelas crianças que participavam do projeto ia para o pequeno autor da pintura. Era mágico ver o brilho no olhar deles, com o dinheiro na mão, sabendo que aquilo veio de esforço e criação próprios. Como a maioria dos turistas era composta de estrangeiros, as telas das crianças do Alemão estão espalhadas em mais de 62 países, o que é incrível. Hoje, o apoio vêm de pessoas de fora da favela, que compram as telas na Feira A Carioquíssima, e de doadores individuais espontâneos, além de todos que ajudam a divulgar o projeto na imprensa e redes sociais.
No auge do projeto, quando muitas crianças já começavam a experimentar o gosto de verem suas telas vendidas para os turistas, o Teleférico fechou. As coisas se complicaram e muito. Foi uma tristeza para todos, pois a cada dia mais crianças e adolescentes despertavam ali para o desejo de se tornarem artistas. Está sendo traumático e triste para elas.
Mas assim é o Favela Art, o empoderamento através das cores, do traço do pincel. O mais impressionante de tudo é o fato de que nasceu da vontade de uma artista que não sabia nem desenhar um coração. Hoje, ela desenha esperança nos corações dessas crianças. O reconhecimento, apoio e incentivo das pessoas dentro e fora da favela é fundamental para que o Favela Art continue a existir. Todos comentam da menina que pinta a favela.
O projeto é referência para muitas crianças, que sonham em se tornar os Van Goghs e Picassos do morro e esperam ansiosos os dias das oficinas de pintura. Todos querem que suas telas sejam vendidas, pois o pouco que hoje representa o valor de cada uma delas significa muito para quem nada tem. Inúmeras vezes, é esta a renda que garante o alimento de uma criança ou até mesmo de uma família. É isso que torna o projeto verdadeiro e possível sua sobrevivência a duras penas em meio ao caos que vivemos diariamente no Complexo do Alemão.
O Favela Art é lindo. É feito com alma e dedicação de quem viveu aqui os piores momentos quando criança e hoje vê neste projeto uma luz, uma porta que pode levar a vários caminhos bons, inclusive aqueles que podem nos levar a encantar o mundo todo aí fora. Isso um dia vai acontecer, porque o Favela Art resiste.