Violência, medo e até inflação: a rotina difícil de quem vive na Rocinha

Fachada de casa na Rocinha: violência e medo após confrontos (Créditos: Reprodução Internet)

Tiros, granadas, lojas fechadas, corpos. Os moradores da Rocinha vivem nesta sexta-feira mais momentos de pânico após o quinto dia de confrontos na favela. O comércio e as escolas estão fechados. Com o direito de ir e vir afetado, muitos se arriscam para fazer o mínimo que podem: viver.

Durante a manhã de hoje, traficantes e policiais se enfrentaram na entrada da Rocinha. A base da UPP, que fica na Rua 2, foi atacada às 10h. No tiroteio, um morador, que é estudante da PUC-Rio, ficou ferido e foi levado para o Hospital Miguel Couto. Um ônibus foi queimado na Avenida Niemeyer, a alguns metros da favela e um bomba foi jogada no Túnel Zuzu Angel. O governador Luiz Fernando Pezão e o secretário de Segurança Pública Roberto Sá pediram reforços das tropas militares. A favela deve ser ocupada nas próximas horas por 900 homens.

No meio da briga entre autoridades e bandidos, estão os cerca de 100 mil moradores da maior favela da América Latina, ocupada majoritariamente por retirantes do Nordeste desde os anos 1950. Depois de uma breve trégua com a implantação da Unidade de Polícia Pacificadora em 2012, os tiroteios voltaram a ser rotina. Mas nada parecido com o que acontece na comunidade hoje. Os confrontos dos últimos dias são muito intensos e deixaram a favela deserta. 2.400 alunos estão sem aulas. Trabalhadores não conseguem sair de casa para o serviço. O silêncio nas ruas vazias, sempre agitadas pelas motos e pelo vai-e-vem da população, é atordoante.

Os problemas começaram com uma guerra interna no tráfico de drogas local. Informações dão conta que, desde a prisão do antigo chefe Nem, o grupo de Rogério 157, que ocupou seu lugar, impôs uma rotina de medo para a comunidade, com a cobrança de taxas de comerciantes e dos moradores, o que elevou os preços na favela. Um botijão de gás na Rocinha custa hoje, em média, R$ 92. O mototáxi, único meio de transporte público na favela, também aumentou sua tabela. Lideranças locais teriam entrado em contato com Nem para libertar a comunidade do jugo do bando de Rogério, o que gerou os conflitos. “É uma espécie de problema administrativo”, afirma uma fonte.

 

Dia a dia de terror

As dificuldades esbarram já no simples ato de entrar na favela. Além do perigo de balas perdidas, a estação São Conrado, que tem uma saída localizada bem na entrada da favela, está fechada hoje. Moradores reclamam que esta tem sido uma constante sempre que há tiroteios na região, o que impede que muitos cheguem em casa. Quem vive nas partes altas da favela simplesmente não consegue entrar em casa – a opção é apelar para amigos e familiares que morem em outras áreas, ou mesmo dormir no trabalho.

Desde o último domingo, os confrontos ganharam tintas fortes, com contornos de barbárie. Cenas de violência, com corpos decapitados e pessoas queimadas vivas, circulam no WhatsApp de toda a favela. Na tarde de hoje, mercados foram saqueados. O medo é o sentimento geral. “Nós não sabemos mais quem é quem, quem é polícia, quem é bandido. A gente está à mercê de tudo”, conta uma moradora, que pediu para não ser identificada por temer represálias.

A troca de informações está sendo reprimida pelos envolvidos no confronto. Há casos de moradores que têm telefones apreendidos e que estão sendo questionados pelo que compartilham em suas redes sociais pessoais – nesse caso, porém, não apenas pela polícia. As revistas e o fechamento de vias pelas autoridades causam desconforto e revoltam quem mora na favela. Moradores reclamam do tratamento – usual – da polícia, que lida com todos da mesma forma como lida com bandidos.

Ficar dentro de casa não é seguro. Residências estão sendo invadidas e transformadas em base. Muitas têm suas fachadas inteiramente marcadas por tiros, num cenário de guerra. Dormir longe das janelas é uma prática recorrente dos últimos dias. Já há quem esteja saindo da favela por não suportar mais tanta violência.

Mas, com tantas notícias ruins, a solidariedade é o que resta de positivo em meio aos confrontos. “Tudo isso está unindo a comunidade, apesar de tudo. Todo mundo está unido na esperança de paz. A gente quer que isso acabe mais rápido possível”, finaliza a moradora.