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O papa na favela: mais um tour de “safári” ou um outro turismo é possível?
O novo papa Francisco vai visitar uma favela carioca quando vier ao Brasil, em 28 de julho, marcando presença num território praticamente dominado pelas igrejas evangélicas nas últimas décadas. Apenas com sua vinda houve um aumento de 400% de procura na rede hoteleira, o que vai repercutir na cidade como um todo. Se o Brasil e o Rio atraem todas as atenções e estão na moda, as favelas também não ficam atrás e por isso é hora de se fazer um debate importante sobre o turismo que se pratica hoje nestes locais e quem se beneficia _ou deveria se beneficiar_ com isso.
O aumento da visitação nestes territórios, retratado pela mídia a todo momento, revela que a procura pelas áreas que estão ocupadas pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) hoje é maior do que na época em que a Rocinha praticamente era a preferida do mercado turístico, a partir dos anos 90. Mudou o foco do turismo ao mesmo tempo em que cobertura da mídia passou da visão negativa, que mostrava a violência do tráfico na favela, para uma cobertura mais positiva graças ao espetáculo da pacificação.
Este mercado sempre se assentou numa premissa de que estrangeiros gostam mais de ver pobreza do que os brasileiros e a isso batizavam de “exotic tour” ou “be a local”, dependendo do interesse. Mas o fato é que o que é mostrado por agências que vendem pacotes no exterior, pouco ou nada espelha a cultura do morro e de quem vive nele e, muitas vezes, apenas a estereotipa.É hora de os moradores assumirem esse negócio,não como empregados mas como donos do próprio negócio turístico.
Na contramão dessa visão, surgem a partir da pacificação, algumas iniciativas promissoras de moradores da favela para mostrá-la não como uma peça de marketing político, mas como algo real com suas contradições e riquezas. São exemplos destas iniciativas as agências locais recém-criadas Favela Scene, Brazilidade e Favela Santa Marta Tour, na Favela Santa Marta; a Chapéu Tour, no Chapéu Mangueira; ou trabalhos mais antigos como o das ONGs Morrinho, na favela Pereirão, e o do Grupo ECO, também na Santa Marta. Outras experiências importantes fora do eixo da zona sul do Rio são o Museu da Maré e o coletivo da Cidade de Deus, só para citar alguns exemplos interessantes de forma de conhecimento da realidade destes territórios.
Num momento de tanta visibilidade, chegou a hora de esse turismo em favelas ser feito de forma que estes territórios ganhem, não como se fosse um local exótico onde se pratica um safári, operado por agências de fora. Muitas vezes, os moradores são exibidos para o compadecimento do visitante num roteiro superficial que não conhece de fato o lugar e que subestima quem ali vive. Poucas são as agências de fora do morro que interagem ou contratam os moradores da mesma forma que pagam a seus guias, mesmo em lugares onde os guias possuem formação técnica, como no Santa Marta. Essa dificuldade é relatada pelos próprios moradores formados e vem gerando conflitos.
O visitante ou turista estrangeiro merece a oportunidade de ver as coisas sob um novo ponto de vista. E os brasileiros que moram nas favelas de lucrarem como empreendedores sociais, além de ser uma forma simbólica de reduzir a distância da cidade partida até mesmo com outros continentes.
Na Santa Marta, muitos anos depois da visita de Michael Jackson e dois anos após a pacificação, surgiu o projeto-piloto Rio Top Tour, como primeira iniciativa de turismo comunitário, vinda de uma ação governamental junto aos moradores. O projeto foi lançado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010. Lula, por ter uma visão distinta do Brasil criou o Ministério do Turismo com uma série de ações que ampliaram essa atividade para além do turismo de classe média ou dos hotéis e transatlânticos de luxo. Foi a partir desta gestão que se lançou a linha de apoio do Turismo de Base Comunitária (TBC) investindo nas populações locais em todo o Brasil e não apenas na rede hoteleira e de agências,que comandam o trade turístico.
No caso do Rio Top Tour, cujo projeto piloto foi beneficiado pelo TBC de Lula, formou-se uma rede indireta de 200 moradores, atuando na atividade turística e empreendedora, o que revitalizou a favela Santa Marta. Foram ao todo 60 mil visitas, média por mês de duas mil por mês, com 60% de turistas brasileiros e 40% de estrangeiros, sempre guiados por moradores que se formaram como técnicos de turismo ou atuavam no comércio local. Essa experiência , embora pontual, ganhou espaço não apenas na mídia do Brasil mas em vários jornais e revistas internacionais como o Le Monde e a The Economist provando que este tipo de iniciativa é viável se comandada pelos moradores.
Recentemente, a novelista Glória Perez também contribuiu para ampliar esse debate, ao fazer pela primeira vez uma novela utilizando o nome real de uma favela, a do Complexo do Alemão, mostrando o cotidiano dos moradores para todo o Brasil.
Se fosse visitar o Vidigal como um turista, como fora anunciado, o Papa entraria em contato com uma das faces mais desiguais do Brasil, como foi mostrado recentemente em artigo dos professores Paulo Baía e Giovanna Barreto: a da remoção branca, ou seja, a expulsão de moradores da favela por causa do alto custo da moradia e da especulação imobiliária. Fenômeno que não poupa o asfalto já que o restante da cidade também sofreu com um aumento do valor cobrado pelos imóveis, desde que ganhamos o título de cidade da Copa e das Olimpíadas.
A diferença entre um passeio comandado pelos moradores ou por agências é justamente esta. Não se vê apenas a vista, ou se come uma maravilhosa feijoada, mas, antes, se entra em contato com a realidade do que é o Brasil contata pelos próprios moradores. Mesmo com a mudança do roteiro, na visita à comunidade de Varginha, no Complexo de Manguinhos, Francisco I poderá conhecer outro lado da desigualdade social: a população convivendo com a falta de saneamento básico bem longe do cenário da bela vista que o turismo enaltece, mesmo quando se trata de uma favela. Espera-se que Francisco I veja em seu rápido tour pela favela o retrato do que ainda é o Brasil e do que precisa mudar e não mais uma máscara de comunidade maquiada para Papa ver.
Mônica Rodrigues, mestre em antropologia pela UFRJ e jornalista, criadora do projeto Rio Top Tour na favela Santa Marta.
Paulo Baía, Sociólogo, Cientista Político, Professor da UFRJ e Militante Social.