Conto 1
Um médico atende uma agente de segurança terceirizada, que trabalha em uma agência bancária. Após relatar o estresse normal de sua profissão, ela deixa escapar que estava há quatro anos sem férias. Simples de entender: ao completar 11 meses de trabalho, a empresa que fornecia serviços ao banco fechava, enquanto outra aparecia no lugar e recontratava os funcionários, começando do zero. Essa rotina de empregos não garantia qualquer benefício, ainda que valesse mais a pena que ficar desempregada. No dia seguinte à consulta, a agente de segurança foi demitida.
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Conto 2
Jornalista, 30 anos. Foi contratado como repórter em uma das principais editoras do país na redação de uma revista voltada ao público masculino. Ainda que fosse terceirizado no início, tinha a garantia de que, em um mês, seria efetivado como redator. Ele se agarrou à esperança que vinha com a falta de vale transporte, férias, 13º salário, mas, de brinde, um trabalho de, no mínimo, oito horas diárias – muitas vezes, mais. Sim, ganhava R$300 ou R$500 a mais no salário (só para não ficar tão ruim). À medida que ouvia as desculpas (“Sim, você já está dentro”, “No mês que vem, a vaga é sua”, “Foi um erro, da semana que vem não passa”), foi assumindo sozinho 20, 30, 40 páginas da revista, quase 1/3 de toda a publicação. Na semana seguinte, viu chegarem três novos redatores prontamente efetivados. Cansou do jogo de azar e pediu demissão. Não recebeu seus salários integralmente.
Conto 3
Mãe de família, faxineira. Precisou ausentar-se do trabalho por dois dias porque seu filho doente estava tendo crises convulsivas. Estava há dois anos sem tirar férias e sem receber qualquer aditivo no salário. Pediu atestado médico nas duas consultas e na internação, mesmo sabendo que talvez não fosse “ser perdoada”. A demissão viria antes mesmo da tentativa de explicação: nem uma nem outra. Coincidentemente, a empresa prestadora de serviços – e onde ela trabalhava – decretou falência. Nenhum funcionário recebeu qualquer salário, muito menos benefício.
Conto 4
Inglaterra, século XXI. Zero hour contract, contrato de zero hora. Técnico em administração porta um celular e espera uma ligação. Essa espera pode durar um dia, dois dias, três dias, quatro dias. Caso receba, começa o serviço imediatamente. Caso não seja contactado, continua esperando, sem remuneração. Trabalha com uma carga muito acima do permitido por lei (sem contar o estresse) e não são nem de longe os primeiros a receberem honorários. Os benefícios são aqueles que já conhecemos: inexistentes. É como ser autônomo, mas sem, de fato, sê-lo. É um horizonte que não parece impossível quando o desespero chegar ao Brasil.
Todos os contos são inspirados em histórias reais.