Crime organizado

Gustavo Bebiano, 56 anos, infarto fulminante - foto EBC

O infarto que matou Gustavo Bebiano tem nome, endereço, telefone de conta bancária. Como a morte de Marielle Franco há dois anos, de Adriano da Nóbrega e outros que não provocam a atenção da mídia. A suspeita é de que ele tenha o mal súbito em consequência de pelo menos 50 ml de cloreto de potássio na corrente sanguínea. É o que se usa nos Estados Unidos em execuções de condenados em estados onde vigora este método. Há quem prefira cadeira elétrica, mas no caso de Bebiano ficaria complicado.

Não só na pena de morte americana se aplicam injeções letais. Lá mesmo elas são usadas na eliminação de testemunhas, na espionagem e no mundo do crime. Outra substância, o Antraz, um carbúnculo que causa a doença e que pode ser inoculado através de uma picada. Costuma fazer efeito no período de um dia até dois meses depois da infecção.

Atribui-se ao antraz a morte de um espião russo em Londres, nos anos 1970, espetado na perna pela ponta de um guarda-chuva quando aguardava sinal verde para atravessar a rua. O agressor seguiu impune seu caminho, ninguém nem sequer notou. Desde então, vários russos morreram em circunstâncias estranhas na Inglaterra, uns enforcados, outros envenenados.

No Brasil a prática, comum durante a ditadura militar, dá sinais de volta à moda. Também na década de 1970, tivemos por aqui várias mortes acidentais ou naturais suspeitas. O acidente que matou Juscelino Kubitschek na Via Dutra e a queda do carro da estilista Zuzu Angel do viaduto do Joá são dois exemplos.

A infecção de Carlos Lacerda, internado numa clínica particular com sintomas de gripe forte e morto logo depois, sugere o emprego de antraz. O envenenamento de João Goulart na Argentina mediante a troca da medicação administrada para o coração também é uma história de filme de espionagem, com agente enviado especialmente para a missão.

A mesma má sorte teve o embaixador José Jobim, pendurado pelo pescoço por uma corda de náilon no galho de uma árvore, com as pernas dobradas, na Joatinga, Rio de Janeiro. A posição, bizarra em si própria, era semelhante à encenada na cela do Doi-Codi paulistano na morte do jornalista Wladimir Herzog. O embaixador escrevia suas memórias, nas quais contaria a corrupção grossa na construção da hidrelétrica de Itaipu.

O educador Anísio Teixeira também foi outro que teve morte muito suspeita: seu corpo sem vida foi encontrado no fosso do elevador do prédio onde morava o enciclopedista Aurélio Buarque de Holanda, que ele visitaria para pedir o voto na eleição próxima da Academia Brasileira de Letras.

Não chegou ao apartamento e nem a lugar algum, desaparecido por dois dias. Até o cadáver ser encontrado no fosso do elevador, o local mais improvável para a morte acidental porque não teria altura suficiente para causar a morte de alguém.

Mais recentemente, já no período Bolsonaro, além dos citados Bebiano e Nóbrega, morreram os jornalistas Ricardo Boechat, em queda de helicóptero, e Paulo Henrique Amorim, de infarto fulminante. Nos dois casos a teoria da conspiração apontava para a eliminação de personalidades influentes incômodas ao governo. Houve quem ressuscitasse o ataque do coração que vitimou o jornalista Sérgio Porto aos 45 anos de idade, em setembro de 1968.

Bolsonaro é um expoente desta linha de ação, sempre foi, bem como parcela significativa das forças armadas, hoje empoderadas por ele. Em 1995, então deputado, foi assaltado na rua em Vila Isabel, zona Norte carioca, e roubaram-lhe a moto e a arma. O veículo foi recuperado logo, mas o ladrão só foi preso meses depois, na Bahia. Trazido para uma delegacia do Rio, foi encontrado enforcado na cela no dia seguinte.

Todos esses episódios, e mais outros que a história não registra ou que a memória nacional prefere esquecer, são uma pequena amostra da violência estruturante na formação da sociedade brasileira.

Aqui nunca houve justiça senão a dos poderosos de ocasião. A população guarda silêncio, temerosa de se tornar também vítima e certa da impunidade. Nos momentos mais agudos, apoia linchamento, execuções e cria ídolos como Bolsonaro e Moro. Como explicar a omissão, a conivência com o crime da parte do ministro da Justiça, senão pela sua adesão ao modelo?