Coletivo da Fazenda Grande do Retiro movimenta e recria a cena poética da cidade de Salvador  

Casa do Museu Popular da Bahia - Créditos: Manuela Ribeiro

Nascido em 2009 com objetivo de recriar a cena poética da cidade de Salvador, o grupo de Arte Popular A Pombagem”, idealizado pelos amigos Fabrício Brito, Patric Adler e Uilton Oliveira, inauguraram no último sábado (02), na Fazenda Grande do Retiro a Casa do Museu Popular da Bahia.

Com objetivo de atender as demandas do coletivo e da população, a Casa do Museu Popular da Bahia também servirá como local de pesquisas, onde está reunido histórias que fazem parte da construção da cidade de Salvador, mais precisamente, do Bairro da Fazenda Grande do Retiro, vista pela elite branca como área marginalizada.

“Os museus comunitários são criados pela própria Comunidade, daí a ideia de Museu Popular. Museu feito pelo povo e para o povo, portanto é uma oportunidade para mostrar o bairro de Fazenda Grande do Retiro como o território potente e que merece ser visto como uma referência não de violência, mas sim de excelência no campo da Cultura”, explica o Filósofo Fabrício.

Espetáculo o Museu é a Rua – Crédito – Diogo Andrade

O grupo que atraia gente para conhecer seus trabalhos nas ruas, praças e espaços de Salvador, levando arte e poesia para o povo e expondo seus livretos nas calçadas e na orla da cidade, por muitos anos foram vistos como os “pombos sujos” pela ala burguesa soteropolitana, que os colocavam como artistas de segunda ou terceira divisão.

Como resposta a essa forma pejorativa de ver o artista de rua, decidimos ressignificar o termo (pombo sujo) e transformá-lo em um projeto cultural com foco na periferia. É esse o contexto que dá nome ao grupo A Pombagem, explica o poeta Fabrício Brito.

Sempre próximos dos moradores da comunidade, a inauguração começou com uma limpeza do espaço e instalação dos instrumentos cênicos do coletivo na área externa do espaço. Ao término da limpeza, aconteceu um almoço coletivo, reunindo membros do grupo e a comunidade.

Coletivo A Pombagem – Créditos: Diogo Andrade

A segunda parte da inauguração ficou marcada pelo sarau realizado pelos membros do coletivo, com microfone aberto, além da participação dos “mais velhos” da comunidade, pessoas que testemunharam de 1975 a 1985 as manifestações culturais e popular do bairro denominada de festa do lixo.

“Os moradores locais os mais antigos, na década de 70 incomodados com a falta de coleta de lixo, por parte do Estado decidiram levar os lixos de suas casas e colocar esses lixos na frente da Imprensa Oficial do Estado da Bahia que é a Empresa Gráfica da Bahia. A Empresa Gráfica da Bahia está situada aqui no bairro de Fazenda Grande do Retiro e aí os jornais da época começaram noticiar isso porque é um absurdo, explica” Fabrício Brito

Ainda segundo o Fabrício, os lixos ainda continuam amontoados nas fachadas dos colégios e das escolas públicas do bairro e é essa memória de luta e resistência que são importantes de serem contadas, recuperadas e discutidas com as gerações mais novas, para quebrar a ideia de que pessoas que discutiram no período civil-militar, eram apenas pessoas ilustres, como a elite branca.

Espetáculo o Museu é a Rua – Crédito – Diogo Andrade

“Na verdade a Fazenda Grande do Retiro é um exemplo, é a constatação de que a periferia também é um lugar de luta, luta política porque além de reivindicar o direito a um ambiente saudável como se discutia a coleta de lixo, também se protestava contra aquele período contra a ditadura civil-militar uma festa bacana que conjuga essas duas questões, uma ambiental para discutir o lixo, reivindicar um direito ao bem saudável e outra protestar pelo fim mesmo da ditadura civil-militar e pela redemocratização do país”, detalha o poeta.

Enfrentando a Pandemia

A pandemia da covid-19 afetou vários setores no Brasil e o da cultura foi um dos mais afetados, principalmente quando se fala em assistência financeira para grupos que não são tão famosos e que vivem totalmente da arte. Uma vez que os eventos foram cancelados, os grupos de música, teatro entre outros tiveram que se reinventar de forma virtual.

No primeiro momento da pandemia, as atividades do grupo A Pombagem foram paralisadas. Logo após, o grupo se viu obrigado a voltar as ruas, para pensar em maneiras de se manter e poder ajudar outros coletivos que passam pela mesma situação.

“Nós fomos obrigados a voltar para as ruas aí justamente para pensar junto com outros coletivos estratégias de apoio mutuo, de ajuda a mutua porque muitos integrantes da Pombagem, mas também de outros coletivos que são parceiros da gente estavam com dificuldades financeiras e a gente também. A gente teve que pensar formas de lidar com isso e uma delas foi se reunido e se organizado em movimentos em prol da cultura de rua”, detalha Fabrício Brito.

Espetáculo o Museu é a Rua – Crédito – Diogo Andrade

Através da Lei Aldi Blanc, o grupo conseguiu participar de editais, o que garantiu a retomada de algumas atividades do grupo, como o espetáculo “O Museu é a Rua, mantendo todas as recomendações de saúde, distanciamento, utilização de máscaras, álcool em gel.

E como o setor teve que se reinventar, o grupo teve que gravar seus espetáculos nas ruas, porém sem aquela interação a qual já estavam acostumados, com o público, vendedores e todos espectadores que fazem parte da plateia de rua. As cenas foram gravas e transmitidas e exibidas pelo canal do Youtube.

O grupo também participou de editais fora da Bahia, como a mostra de teatro de Guarulhos, em São Paulo, onde foram contemplados com a seleção tendo seu vídeo exibido na mostra, que também aconteceu de forma virtual, em 2021.

“A gente construiu o espetáculo “O Museu é a Rua” muito na perspectiva de desmistificar o museu como um edifício” Fabrício Brito.

Espetáculo o Museu é a Rua – Crédito – Diogo Andrade

O grupo não se enxergava em espaços físicos erguidos por concreto, não se reconhecia nas memórias apresentadas dentro dos museus e a contemplação de passividade dos visitantes gerava incômodo os integrantes do grupo. E é nesse momento que a arte de rua surge.

“A gente se reconhecia nas artes e cultura de rua como teatro popular, como grafite, as manifestações da cultura popular como Maracatu, capoeira e samba de roda. Nos espaços que a gente constrói as nossas representações e foi alí que a gente viu o verdadeiro museu. O grito que saía dos muros da parede do tecido urbano da cidade”, revela o poeta.

Segundo o grupo A Pombagem, a proposta do espetáculo é reivindicar a rua enquanto espaço museal e ao mesmo tempo desmistificar o que se entendia do museu apenas como um espaço físico.

Espetáculo o Museu é a Rua – Crédito – Diogo Andrade

O espetáculo inspirado em uma manifestação da cultura popular brasileira, 2 de julho, data de extrema importância para história da Bahia, promove um espetáculo público nas ruas, uma espécie de “visita guiada”, como conta um dos idealizadores do coletivo.

“O cortejo da independência da Bahia começa no 2 de julho bem cedinho, inicia ali na praça da Lapinha e vai até o Pelourinho no primeiro momento, mas depois continua a caminhada e culmina aos pés do Caboclo. Só nesse trecho, a festa visita o Pavilhão 2 de julho que é um monumento e o busto do general francês Labatut. Na sequência, a estátua Maria Quitéria e por fim o monumento ao 2 de julho, que é o caboclo”, explica Fabrício Brito.

É nesse festejo que começa o trabalho de investigação do grupo A Pombagem, que ao iniciar o processo criativo de construção do espetáculo reivindica a rua como o museu, fazendo homenagens e críticas as obras presentes.

Espetáculo o Museu é a Rua – Crédito – Diogo Andrade

O coletivo A Pombagem integra o projeto da Periferia Brasileira de Letras, que é reconhecida por ser uma rede de coletivos literários que visa a territorialização das políticas públicas e suas pesquisas voltadas para a literatura e da saúde nas periferias. Uma rede que possibilita a interação com coletivos de diversas partes do Brasil e estimula a troca de experiências.

“A Periferia Brasileira de Letras é muito importante também porque ela pensa a noção de literatura bastante ampliada, compreendendo as múltiplas dimensões de corporeidade e oralidade da nossa poética, daí o estreito vínculo entre poesia e museologia que só é possível por causa dessa noção ampliada de literatura. E é por isso que nós enquanto o grupo de teatro de rua poesia nos sentimos à vontade em criar a Casa do Museu Popular da Bahia”, conta o filósofo.

Espetáculo o Museu é a Rua – Crédito – Diogo Andrade

Poeta, filósofo e Mestrando em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia, Fabrício relata que se realiza na arte por dois pontos, um deles é o poder que a arte tem de transportar para outros lugares, mesmo com as dificuldades encontradas ao encarar a realidade da vida cotidiana, e o outro ponto é o potencial transformador da arte de rua.

“As Praças são lócus de violência nas ruas e a violência policial nesse aparelho do Estado quando ocupa a praça é com abordagem enérgica ostensiva e arte de rua no enfrentamento desse tipo de ocupação propõe outras imagens e com a frequência de uma ocupação cultural com a arte de rua nas praças as pessoas que ali vivem no entorno da praça podem passar a enxergar  aquela, não como numa praça da violência, não como uma  praça da polícia mas uma praça da arte da Cultura como a praça a praça da educação”, finaliza Fabrício Brito.

Espetáculo o Museu é a Rua – Crédito – Diogo Andrade

Gostou da matéria?

Contribuindo na nossa campanha da Benfeitoria você recebe nosso jornal mensalmente em casa e apoia no desenvolvimento dos projetos da ANF.

Basta clicar no link para saber as instruções: Benfeitoria Agência de Notícias das Favelas

Conheça nossas redes sociais:

Instagram: https://www.instagram.com/agenciadenoticiasdasfavelas/

Facebook: https://www.facebook.com/agenciadenoticiasdasfavelas

Twitter: https://twitter.com/noticiasfavelas