Desde muito cedo, foi ensinado ao sujeito masculino certas formas de habitar o mundo, como não chorar, entrar em brigas, ser viril, etc. Essas “lições” vêm sendo passadas de pais para filhos e, conscientes ou inconscientes, vão construindo a sociedade patriarcal, dando poderes aos homens biológicos e limitações às mulheres. Mas esses valores ainda vigoram na sociedade atual? Como nos enxergamos como indivíduos hoje? E como um homem adulto criado sob esses valores consegue se inserir na sociedade moderna? Se valendo desses questionamentos, sob a direção de Nina da Costa Reis e interpretação de Alexandre Paz o solo “CAVALOS” realizou um circuito de apresentações gratuitas na zona norte carioca que se encerra hoje, 09 de agosto, em Manguinhos.
Buscando na relação de um homem e seu pai as janelas necessárias para se repensar o modelo masculino e as diferentes possibilidades de se reconstruir no mundo, em um quarto, o personagem procura entender onde está o seu pai e quem é ele; onde foi que o diálogo parou de existir, ou se existiu algum dia; o que é o falocentrismo e como isso influi nos homens. Permeado de músicas cantadas em videokê, histórias coletadas e estórias inventadas, este homem narra a trajetória de todos nós em busca dos entendimentos da vida e das relações afetivas, esbarrando em questionamentos e lembranças próprias. Com muito humor e emoção, “CAVALOS” é uma peça que transita pelos afetos primordiais, os afetos parentais.
“Enquanto homem gay e preto, sinto uma responsabilidade profunda e um prazer imenso em atuar neste trabalho. Dentro de uma sociedade machista e racista eu posso, através do teatro, trazer à tona uma reflexão sobre a desconstrução absoluta de um padrão de masculinidade. Eu sou um homem, eu aprendi a ser um homem, mas o que e como me ensinaram o que é ser homem? Num mundo estranho, como viemos percebendo, ser homem é um problema. E poder reconstruir esse conceito de masculinidade, ampliando os formatos dessa identidade, a partir de uma ótica afetiva e construtiva, é compactuar na criação de uma sociedade onde a capacidade de amar e se afetar sejam prioridades motoras, acima de qualquer coisa”, acredita Alexandre Paz, que estreou o espetáculo antes da pandemia.
Toda sociedade é composta por conceitos e pré-conceitos que moldam a forma como os cidadãos vivem nela. Mesmo que não se sinta, a forma como a sociedade em que se vive se constituiu age sobre o indivíduo de maneira direta ou indiretamente, surtindo efeitos às vezes subjetivos. Viemos de uma história onde o sujeito masculino biológico é ensinado a cumprir certos deveres e obrigações de ordem micro e macro social. “Em ‘CAVALOS’ nós podemos experimentar uma nova leitura sobre o que é ser homem, e mudar certas ideias e conceitos que tange o universo masculino, invertendo as coisas: a fragilidade como força. E até mesmo poder se perguntar: pra que tanta força? Pra que essa necessidade de brigar pra ser alguém, ou alguma coisa, se no fim a gente morre e não somos nada?”, analisa o ator.
Orientado por uma direção feminina, o espetáculo acessa sentimentos profundos relacionando os movimentos cênicos a memórias afetivas, ausências e presenças. “Neste espetáculo, busquei acessar minha relação mais profunda com meu pai e com minha existência em sociedade. Lugar de fala é aquele do qual assumimos quem somos na esfera social e refletimos a partir disso. Seria inevitável que meu olhar de mulher não contribuísse para uma obra artística, principalmente que questione o sistema patriarcal. Meu lugar de fala contribuiu para que nos deslocássemos da centralização masculina e nos reconfigurássemos. Nós, mulheres, estaremos sempre trazendo um diferencial, um olhar que desestabiliza o patriarcado, principalmente quando o assunto é esse”, finaliza a diretora Nina da Costa Reis.
Serviço:
Peça: Cavalos
09 de agosto – 18h30
Colégio Estadual Prof. Clóvis Monteiro
Rua César Marques, 10 – Manguinhos
Classificação Indicativa: 16 anos
ENTRADA GRATUITA
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