O perfil de mulher preta pode promover empatia em quem procura a ouvidoria. FOTO: Divulgação

 

A advogada preta carioca Angela Borges Kimbangu, especializada em Direito da Criança e do Adolescente, pode ser indicada como ouvidora da Defensoria Pública da União (DPU), que nunca teve ouvidoria. Seria uma dupla estreia, do órgão e do perfil da ocupante do cargo. Ela concorre com mais dois homens em uma lista tríplice. O resultado sai no próximo dia 6 de fevereiro.

Antes da entrevista que conta sua trajetória, a explicação para o sobrenome que adotou há sete anos: “Kimbangu vem do império do Kongo. Significa as coisas ocultas que os homens não podem ver. É a confraria dos leopardos, um nome de poder, ancestral, é muito importante para mim. Depois que eu adotei este nome, minha história de vida mudou”.

Agora ela pretende mudar muitas outras vidas, com perfil mais próximo ao das pessoas que procuram a ouvidoria, gente pobre e, em geral, preta. Formada em Direito com muito esforço pela Universidade Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro, Angela lembra da importância de sua indicação não só pelo perfil do governo Lula, mas porque vivemos a Década do Afrodescendente, instituída pela ONU, até 2024.

Qual sua trajetória de vida até chegar ao Direito?

Eu nunca sonhei, quando criança, por conta de ser uma filha de lavradores do campo, do interior do Rio de Janeiro, iletrados, semianalfabetos, enfim, eu não tinha pretensão de fazer Direito. Esses sonhos nunca foram realidades nem passaram pela minha cabeça quando eu era criança, adolescente. O Direito entra na minha vida quando uma pessoa da minha família é levada a uma delegacia injustamente e ali eu desperto para o Direito. Na ocasião, quando eu dizia que pensava em fazer a faculdade de Direito, as pessoas diziam ‘isso não é para você, não’, mas eu estou aqui hoje. Estou na área de infância e juventude há mais de vinte anos.

Como começa sua atuação no Direito?

Minha carreira jurídica começa quando eu faço um curso para ser servidora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e conheço uma defensora pública chamada Carla Stael no curso. Nessa época estou desempregada, só tenho o Ensino Médio, ela estava lotada como defensora pública na Primeira Vara da Infância e Juventude do Idoso da Comarca da Capital (é o antigo Juizado de Menores do Sambódromo do Rio de Janeiro) e ela me leva para ser secretária, atender os assistidos. Mais tarde ela vai embora e me deixa com a defensora, doutora Eliane Simas dos Santos, que me contrata para ser secretária e o marido dela me contrata na empresa dele, também para ser secretária. Com isso, eu consigo pagar minha faculdade e me formar em Direito. Quando eu fiz a minha monografia, que obteve nota 10, falei sobre direito da criança e do adolescente, foi que eu vi a vida toda, antes até de fazer faculdade, por isso que eu tenho vinte e poucos anos de atuação na área de infância. E é uma alegria, porque já fiz muita gente feliz, sou uma mulher muito feliz e eu digo que no direito eu sou a obstetra, eu faço nascer os filhos nas famílias. Tenho uma carreira de muito sucesso, sua uma mulher muito bem-sucedida, amo fazer isso, e eu jamais trabalharia numa área do direito que não fosse social, que não fosse afetiva.

Como é sua família?

Faço questão que você coloque isso, do jeito que vou falar agora: sou divorciada, graças a Deus. E há muito tempo. Sou arrimo de família, minha família é monoparental, eu e duas meninas, uma mocinha de 17 anos e uma outra mocinha de 20 anos. A primeira é atleta de remo do Botafogo, meu time, é a segunda é atriz, foi modelo e hoje é estudante de letras na Universidade Federal Fluminense de Niterói. Aqui é a casa das três mulheres.

Fale um pouco da sua atuação jurídica ligada à negritude.

Eu idealizei uma associação de advogados pretos e fundei a Associação Advocacia Preta Carioca (Umoja), com cerca de 300 advogados, em julho do ano passado na OAB Rio de Janeiro. A fundação se deu lá, com um seminário de pessoas pretas falando de matérias do Direito. A associação tem alguns projetos em andamento, como o letramento constitucional, que a gente pretende levar para as escolas de ensino Fundamental e Médio. Nós também conseguimos, com uma articulação dentro da OAB, nós temos uma parede de memória da advocacia preta no andar de luxo da OAB, no quatro andar. Esse feito é muito importante porque nós não tínhamos em nenhuma OAB do Brasil uma parede de pessoas pretas. Fora isso, eu tenho também meu trabalho com infância, sou uma mulher que trabalha com adoção, direito da criança e do adolescente, sou uma advogada familiarista e que fiz muitas pessoas felizes através do meu trabalho. Eu sempre digo: eu sou uma pessoa amada, muito feliz, e meu corpo não é fechado, meu corpo é blindado pelo amor dos meus clientes.

Qual o trabalho da DPU?

A Defensoria Pública da União (DPU) trata de matéria constitucional e o meu cargo seria ouvidoria externa, que é um elo entre a sociedade civil e a instituição. Como é esse elo? Ouvir os apelos, dúvidas, construir relatórios, achar soluções. Ou seja, ter uma escuta ativa, de qualidade, afetiva para tentar resolver questões. A ideia do ouvidor é fortalecer a instituição.

Como se deu sua indicação para concorrer ao cargo?

Eu me inscrevi com mais 170 pessoas. Aí muitos não cumpriram os requisitos de juntar as certidões, não tinham conduta ilibada, coisas que desclassificam. Restamos sete pessoas. Duas foram embargadas, ficamos cinco. Eu estou avalizada pela União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro), porque são os movimentos sociais que indicam seus candidatos. Eu sou a única mulher e preta. Depois, houve uma audiência pública, onde nos apresentamos, discutimos propostas, e eu fui para a lista tríplice. O próximo passo é o Conselho da Defensoria Pública escolher um dos três. Eu espero que seja eu.

O que representaria sua escolha para o cargo?

Os colegas que estão concorrendo comigo, são pessoas que têm títulos, mas não serão com títulos que nós nos relacionamos com pessoas simples, humildes, iletradas, que é o retrato dos assistidos da Defensoria Pública. Um rosto como o meu, uma pessoa popular como eu, com essa aparência, é fundamental para que as pessoas se sintam à vontade, se sintam representadas, se sintam confiantes. Eu considero que ocupando esse lugar, ainda mais na década do afrodescendente, instituída pela ONU até 2024, com a situação do atual governo, é fundamental para o crescimento da sociedade e fortalecimento da Defensoria Pública da União. E mais: é importante ter mulheres em cargos de poder, inclusive temos que lembrar que vem crescendo o número de feminicídios e violências contra mulheres, então é muito importante para fortalecimento da autoestima de mulheres, crianças, meninas. É isso.

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