A rotina sofrida de voluntários da linha de frente na região yanomami

Fonte: Arquivo Pessoal e Ministério da Saúde

Era 20 de janeiro deste ano, quando Endrew Diego recebeu uma mensagem sendo chamado para ser um dos médicos voluntários em terra Yanomami. Um dia depois, jornais de todo o Brasil anunciaram a emergência de saúde pública no território.

Ansioso com a ideia de atuar em uma causa humanitária, não pensou duas vezes em dizer sim. Só não imaginava que o cenário ia ser bem mais chocante do que a rotina do SAMU 192.

Partindo de Aracaju, Endrew foi para Brasília encontrar outros 12 voluntários que aguardavam o mesmo destino: Ângela Hostel, em Boa Vista.

Rotina entre os yanomami é mais desgastante que no SAMU. FOTO: Arquivo pessoal

Ao chegar na cidade, tudo era novidade: o jeito peculiar, o carisma das crianças, a cultura antes vista apenas em livros e na televisão. O trabalho começou na Casa de Saúde Indígena (Casai).

Foram sete dias acordando 5 horas da manhã para iniciar os atendimentos aos indígenas, com uma pausa de alguns minutos para o almoço, retornando ao Hostel no final da tarde.

“Sempre aos finais dos dias, após a janta, era uma discussão e nivelamento de tudo que foi realizado, as melhorias necessárias e os pontos negativos. E isso foi repetido por vários dias”, relata Endrew.

Intensidade a todo momento

Foi no dia 30 de janeiro que tudo mudou. Com mais cinco amigos de profissão, Endrew decidiu adiar a volta para Aracaju e ir para Surucucu, uma das regiões mais afetadas pelo garimpo.

A falta de suprimentos médicos, alimentação indígena e saneamento básico tornaram a boa novidade da chegada em Boa Vista ser apenas uma utopia.

Em Surucucu, o dia começa às 6 horas da manhã, com um clima frio e muita chuva dentro da floresta. Acomodados em camas e redes num alojamento, os voluntários se alimentam com cuscuz, ovos e pães.

Cerca de 99 crianças do povo yanomami morreram por causa do garimpo. FOTO: Min. Saúde

 

E não demora muito para ser feita a divisão de tarefas dos voluntários para o restante da semana. A intensidade das atividades faz com que o horário de almoço seja estipulado. São cinco ou seis pacientes atendidos de uma única vez.

“Tivemos dias de atender em Surucucu até as 19 horas; outros, até uma da manhã, invadindo o dia seguinte, observando uma criança com pneumonia grave, que não podia ser transferida à noite porque não havia voos noturnos na região da floresta”, relata.

Durante 17 dias, Endrew passou a ter uma rotina bem mais agitada do que SAMU-192. “Me deparei com dezenas de casos de malária, crianças desnutridas, falta de água potável por causa da extração ilegal de garimpo, atuei com os casos mais graves encontrados dentro da reserva indígena”.

Endrew não está sozinho na luta. Ele faz parte dos mais de 34% dos brasileiros que atuam de alguma forma no voluntariado, segundo a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021.

Juntos pela causa

Desde criança, Cida Cardoso, 52 anos, sente felicidade ao ajudar as pessoas. A motivação para colaborar ganhou ainda mais força com o nascimento da filha, que teve problemas de saúde com apenas três meses de vida.

O que teve início na infância, hoje faz parte da rotina de Cida, que atua há 20 anos como voluntaria e coordenadora da Ação da Cidadania, em Roraima.

Diante da causa yanomami, o Comitê Nacional entrou em contato com Cida solicitando ajuda. Foram dois dias inteiros com a equipe de voluntários confeccionando cestas com produtos de higiene e alimentação. Foram 17 toneladas e 300 quilos de doações entregues na manhã de uma segunda-feira.

“Visitamos vários locais, a Casai, o hospital de campanha, o hospital infantil onde as crianças yanomamis ficam. Procuramos buscar todos esses locais para saber direitinho como poderíamos ajudar ainda mais. Chegamos a comprar máquinas de lavar, lençóis, o lençol que tinham eram as próprias roupas, se cobriam desse jeito”, contou Cida.

As visitas e procuras por demanda algumas vezes levam um dia inteiro, e tem momentos em que o corpo também pede por descanso.

“Não é fácil; às vezes nós, voluntários, ficamos doentes, mas temos que continuar. A minha casa está sempre cheia, atendo pessoas e ajudo como posso. Amo o que faço, acho que se eu fosse renascer, iria pedir para ser exatamente o que sou hoje”, diz uma convicta Cida.

“É um trabalho cansativo emocionalmente e fisicamente”

A vontade de ajudar o próximo faz parte do cotidiano de mais de 100 voluntários da Ação Cidadania em Roraima, que atende instituições como a Casai, com doações ou serviços de atendimento médico.

“Ir para Boa Vista é difícil e caro. Por isso, nossa maior dificuldade no momento é a logística. É graças à parceria que temos com outras organizações que essa ajuda é entregue e chega aos yanomamis muito mais rápido”, explica Cida.

Todos os produtos doados pela Ação da Cidadania vieram de voluntários. FOTO: Divulgação

Intercalando o trabalho de atendente e o voluntariado, Catiane Bezerra Freitas, 48, espera que, além da ajuda que chega ao povo yanomami, a justiça seja feita.

“Nós ajudamos com palavras de conforto e doações, é um trabalho cansativo emocionalmente e fisicamente, mas vale a pena. Acho que uma palavra que define o trabalho voluntário que fazemos para o povo yanomami é gratidão, mas claro, esperamos que algo seja feito pelo governo”.

No início de fevereiro, o governo federal restringiu o voluntariado em terras yanomamis. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, disse em coletiva de imprensa que a logística dificultou a convocação das equipes, além da falta de estrutura e a adaptação dos indígenas ao atendimento.

Apesar disso, a Ação Cidadania continua enviando kits de higiene e cestas básicas. Até fevereiro, foram mais de 2 mil.

Situação desumana

Localizada entre os estados de Roraima e Amazonas, a terra indígena yanomami é habitada por oito povos, segundo o Instituto Socioambiental (ISA). Uma das maiores preocupações, o garimpo, afeta principalmente alimentos e serviços de saúde.

A região está em emergência desde janeiro, mês em que o presidente Lula prometeu acabar com o garimpo ilegal na terra yanomami e classificou a situação dos indígenas como desumana.

Segundos os dados mais recentes do Ministério da Saúde, foram enviados mais de 100 profissionais pela Força Nacional do SUS ao território yanomami, sendo 89 voluntários. Além disso, foram realizados mais de 6 mil atendimentos médicos.

Em relação aos óbitos, até o momento, foram notificados 42, desde o início do ano. Entre as mortes confirmadas até o dia 26 de fevereiro, 19 são crianças de 0 a 4 anos.

Serviço

Mesmo com a restrição do voluntariado, doações de todo o Brasil ainda podem ser feitas. A campanha SOS Yanomami, criada pelo Conselho Indígena de Roraima, aceita transações bancárias em apoio à causa. Informação em https://cir.org.br/site/2023/01/24/o-conselho-indigena-de-roraima-cir-reforca-a-campanha-de-arrecadacao-para-apoiar-as-comunidades-indigenas-da-terra-indigena-yanomami-tiy/ 

Esta matéria foi produzida com apoio do Edital Google News Initiative.

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