Dia das Mães e a construção de afetos nas periferias

mulher negra usando com tranças em seu cabelo uma roupa marrom carrega uma criança negra
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Afetos como estratégia de sobrevivência para mães nas periferias do Brasil.

Quem reside nas periferias do Brasil, já deve saber que a construção de vínculos é uma das principais estratégias de sobrevivência. As famílias, quase sempre compostas por mães solo, são também constituídas por vizinhas(os) amigas(os).

Nas favelas do Brasil, é possível ter uma visão aprofundada sobre isso. Pois, é comum escutar falas como “eu tenho duas mães, a de sangue e a que ajudou a me criar”. Então, nesse dia das mães é essencial relembrar o quanto esses afetos são essenciais para a vida de mães e seus(as) filhos e filhas.

Para Szymanski (1992), o conceito de família pode ser entendido como o compromisso assumido por diferentes pessoas de nutrir uma ligação duradoura entre si. Esse vínculo de cuidado e proteção é, muitas vezes, estabelecido entre adultos e deles com crianças e idosos que estejam envolvidos no contexto.

Em um contexto social no qual se lida diariamente com a não efetivação de políticas públicas, são os vínculos que ajudam a garantir mais um dia de vida.  Seja por meio de solidariedade, troca de saberes, indicações para serviços ou outras necessidades.

A ajuda de vizinhos(as) é vital para conciliar trabalho e obrigações com os cuidados exigidos pela maternidade, como o pedido muito comum para “passar o olho” na criança enquanto a mãe precisa sair.

Essa necessidade se torna ainda maior quando se fala em famílias monoparentais, quase sempre compostas por mães solo, que representam a maioria nas favelas brasileiras. 

Esses vínculos costumam permanecer de geração para geração. E, a partir daí, há a criação de proximidades familiares como “primos e primas, tios e tias” essenciais à vida nas comunidades.

Quais são os maiores desafios enfrentados por mães no Brasil?

Apesar de todos os avanços conquistados por meio de duras lutas, mulheres ainda encontram como um dos principais desafios para sobrevivência, a maternidade. O Brasil, enquanto país marcado por uma cultura machista, sexista e racista, apresenta altos índices de desigualdade entre homens e mulheres.

De acordo com uma pesquisa realizada pela Condurú Consultoria em 2022, 70% das mulheres com filhos enfrentam dificuldades para se reinserir no mercado de trabalho.  Além disso, a maioria das empresas não dão a possibilidade de jornada em meio período ou flexível.

Nesse contexto, vale ressaltar que a maioria das famílias do Brasil são chefiadas por mulheres. A partir disso, é possível mensurar as implicações do não acesso ao mercado de trabalho e meios de sobrevivência.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 12 milhões de mulheres são afetadas pela monoparentalidade. Dessas, 64% sobrevivem abaixo da linha de pobreza.

A situação se torna mais agravante ainda quando pensamos nas mulheres negras, elas representam 61% das mães solo no país. Aqui, elas têm que lidar não apenas com as desigualdades sociais, mas também com o racismo e a falta de acesso a trabalhos formais, uma vez que, são a maior parcela populacional inserida em cargos de menor remuneração.

Quais as possibilidades de vida construídas por mães?

O cenário de falta de políticas públicas adequadas para promover a garantia da vida e inserção de mães no mercado de trabalho, levam à necessidade de construir outras formas de sobrevivência, muitas vezes sem qualquer apoio do Estado.

Uma das frases que passou a ser muito citada nos últimos tempos é “Filhos(as) costumam parir grandes empreendedoras”. Ela reflete as possibilidades encontradas pela maioria das mulheres para cuidar da sua família. Mas, não é por prazer e sim por necessidade.

É comum identificar nas comunidades chefes de família que encontram como meio de sustento a venda de serviços, como costura, quentinhas, roupas e outras possibilidades. São essas as maneiras utilizadas para driblar a fome e levar dinheiro para casa.

De acordo com Kira Perdigão, as mães não escolhem empreender, elas são impelidas a isto, tendo em vista que o mercado de trabalho não se mostra acessível para recebê-las. 

Dados do Sebrae apontam que a maioria das mulheres chefes de negócios no Brasil são mães. Refletir sobre esse cenário é essencial para relembrar que essa é uma prática que vem de tempo atrás, muito antes de existir o termo “empreendedorismo”. 

A partir de todo o contexto de desafios, a rede de afetos é um dos principais fatores que possibilitam a sobrevivência das mães nas comunidades brasileiras. Pois, é a partir dela que se têm a possibilidade de buscar e enxergar outras possibilidades.

Nesse sentido, é muito comum encontrar não apenas a troca de cuidados entre si, mas também de saberes. Por exemplo, uma mulher pode passar para a outra alguns aprendizados sobre trançar cabelo e isso se tornar uma fonte de renda para ambas.

A partir desse ideário, se pode notar o crescimento de capacitações e redes de apoio criadas para mulheres, como a Mommys, Maternativa e a B2 Mammy. Além disso, cada vez mais têm se discutido sobre a importância de ações como essa.

Vale citar ainda iniciativas como o “Mães de Favela” que surgiu durante a pandemia do Covid-19 com o objetivo de promover melhorias no cenário social. Recentemente, em Salvador-BA foi lançado o segundo laboratório de Inovação Social do país que conta com diversas oficinas e uma incubadora de negócios.

EMILY SACRAMENTO
@emily_scs