Cobranças excessivas, sobrecarga (as tais multitarefas), esgotamento profissional e social são alguns dos variáveis sintomas da síndrome que vem afetando jovens periféricos em Salvador. A síndrome de burnout, também chamada de esgotamento profissional, tem avançado. A imensa vontade em crescer na vida tem afetado a população jovem e pobre que encara trabalhar e estudar.

Trabalhar mais do que a mente suporta e ser excessivamente cobrado leva ao esgotamento como o de Matheus Santos, de 23 anos, morador do bairro Mata Escura, que sofreu com a pressão em conciliar emprego e faculdade.

 

Imagens meramente ilustrativas para preservar fontes. FOTO: Edmond Dantès

“Eu tive o primeiro contato com essa síndrome quando completei 18 anos porque naturalmente surgiu a cobrança direta com relação a faculdade e trabalho, e eu não estava em nenhum dos dois, o que gerou pressão absurda por sentir que eu não estava progredindo em nada”

Quando começou a trabalhar, Matheus enfrentou uma carga horária de mais de seis horas, conciliando dois cursos e os afazeres dentro de casa, resultando na “constante sensação de que estava sozinho, comecei a ficar exausto pelo mínimo que fosse, me desanimava, me desmotivava, relata.

O burnout afeta pessoas de diversas idades, mas é preocupante a incidência em jovens de periferias. A falta de acesso à saúde agrava o quadro que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a classificar a síndrome de burnout como doença ocupacional em janeiro deste ano.

 

Burnout e jovens trabalhadores

Diversas empresas se aproveitam de jovens que estão em busca do primeiro emprego, ou daqueles sem melhor opção no momento. É o caso de uma fonte que preferiu manter a identidade preservada, jovem moradora do bairro Tancredo Neves.

Ela trabalha em um call center, com carga horária de mais de seis horas, faz faculdade à noite e, com a dura rotina, acabou desencadeando a síndrome de burnout.

FOTO: Mizuno K

“Antes eu trabalhava de manhã, estagiava de tarde e estudava à noite”

 

O burnout pode se manifestasse por etapas, como no caso da jovem. Começou com crises de ansiedade, o que a motivou procurar ajuda médica: “Cheguei ir ao médico, que me receitou medicamento para amenizar a crise e fiquei afastada por sete dias”, conta.

Na volta do afastamento, teve apoio apenas de quem a supervisionava. Ela demorou a ser promovida, passando a atender internamente, o que ajudou a controlar as crises de ansiedade.

“Voltei na minha rotina, mas não levava ao pé da letra as coisas que aconteciam durante o atendimento, para que não me afetasse

 

Afastamento para cuidar da saúde cria problemas

Uma geração que cresce preparada para ser forte, e passa por diversas desilusões, muitas vezes é pega de surpresa por uma organização empresarial repleta de desfalques.

Lucas, cujo sobrenome preservaremos, tem 22 anos, mora no bairro de Cajazeiras IV e teve burnout com 19 anos. O estudante de análise de sistemas é estagiário de uma empresa da área de tecnologia. A pressão em se doar e se dobrar em dois com trabalho e faculdade pegou Lucas de surpresa.

A rotina de sair de casa às 5:20 da manhã, trabalhar até 17 horas e pedalar até a faculdade mexeu com o psicológico. O excesso de trabalho e a falta de reconhecimento acabaram fazendo Lucas se sentir sugado, descartável.

FOTO: Nataliya Vaitkevich

“Eu tinha apenas 19 anos, hoje tenho 21 e trabalho na mesma empresa. Porém, continuo com o cargo de estagiário”

 

O jovem afirmou que chegou a confrontar o seu chefe sobre o fato de não ter sido efetivado. No início da contratação, foi prometida. “Ao questioná-lo, ele me disse que já estava pensando nisso e que iria falar comigo, porém nada mudou. Conversamos há dois meses”.

Lucas disse que tentou procurar ajuda ao perceber o quanto aquela situação o deixou mal, sem expectativas, com a mente se desligando em alguns momentos. Mas tomar conta de si vai ficando em segundo plano por conta da rotina de trabalho e faculdade.

A dificuldade em cuidar da síndrome

“Para preto e periférico é tudo muito mais difícil. Quando se trata de saúde, vira um quebra-cabeça infinito”. Essa é a avaliação de Iara Machado, 24 anos, morada do bairro do Curuzu, periferia de Salvador.

A estudante de administração acorda às 4 horas da manhã para conseguir se arrumar com calma e chegar sem atraso ao trabalho. Após meia hora dentro de um ônibus cheio, precisa dar conta de todos os afazeres na loja em que é gerente.

“Preciso chegar sempre meia hora antes para conseguir avaliar o que vou fazer na loja. Como eu sou a gerente, o meu chefe me deixa responsável por praticamente tudo, até reunião com outros líderes parceiros”.

Além de pegar uma rota cansativa para chegar ao trabalho, Iara precisa conciliá-lo com faculdade e um trabalho autônomo. Com uma rotina, em fevereiro chegou à estaca zero.

“Ao mesmo tempo que eu vivia no automático, meu corpo parecia que morria as vezes. Eu já vinha tendo alguns sintomas, mas não levei muito a sério, até que um dia eu fui parar no hospital”.

Acordando às 4 horas da manhã e indo dormir entre uma e duas horas da madrugada seguinte, corpo de Iara não aguentou. Ela sentia fortes dores de cabeça, coração acelerado. “A primeira coisa que vem na mente é de que vai morrer. Por sorte, meus colegas de trabalho se mobilizaram e eu fui levada às pressas.”

Ajuda psicológica é pouco acessível, mas fundamental

Ao chegar no hospital, a jovem fez todos os exames e, em um conversa longa com o médico, explicou que o motivo poderia ser a síndrome de burnout. Um psicólogo foi indicado.

“Eu fiquei até sem reação para responder. De início, pensei: o que eu ganho não dá para manter um psicólogo particular e o gratuito estava bem difícil na época para conseguir, eu havia tentado por outras questões pessoais”, conta.

Iara está tendo acompanhamento psicológico gratuito pela faculdade. Conseguiu após alguns meses na fila. Ela continua no mesmo emprego e na mesma função pois “a gente que é favelado não tem muita opção, ou vai ou vai. Se a gente não continuar na luta, não vence nunca. Mas se você puder, procure ajuda psicológica, principalmente se for gratuita”.

 

Faculdades tentam atender a demanda

Ainda não foi criado um projeto que cuide especificamente do burnout em Salvador, com foco na população periférica. Amanda Torres, 25 anos, do bairro de Periperi, declara sua insatisfação com o descaso relativo aos problemas psicológicos.

“Eu tenho burnout e também sofro com ansiedade severa, que já tinha antes mesmo de descobrir o burnout. Fico indignada como foi difícil conseguir acompanhamento”, conta.

Amanda começou a ter burnout por causa da rotina pesada. Saía para trabalhar às 5:30 da manhã, largava às 18 horas, ia para a faculdade direto e só chegava depois das 23 horas em casa. Ela começou a desenvolver fadiga, estresse absoluto e crises de choro, chegando a ter um princípio de depressão.

FOTO: Anna Tarazevich

“Eu cheguei a um limite que eu nunca sequer imaginei. Eu me sentia incapaz o tempo inteiro, além de só viver estressada, tendo até mesmo meu casamento em crise. Ne início, nem eu e nem meu companheiro sabíamos o que estava acontecendo”

 

Amanda decidiu entrar na fila de espera do psicólogo oferecido pela faculdade, pois com os gastos dentro de casa, não tinha como pagar. A maioria das instituições de ensino superior de Salvador oferecem psicólogos gratuitos para alunos e visitantes. Porém, ao ligar para marcar hora, nem todos os números de telefone atendem. Também há exigência de agendar pessoalmente o ingresso na fila que pode ultrapassar a marca de 100 pessoas.

“Eu espero que todos tenham a oportunidade que tive. Buscar ajuda é sempre essencial. O burnout é preocupante e muito pouco falado, precisamos sinalizar sobre essa síndrome que vem pegando muitos jovens, especialmente os de baixa renda”, finaliza Amanda.

Raíssa Ramos

@yes_atena_

Esta matéria foi produzida com apoio do Edital Google News Initiative.

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