Manaus - Visitantes têm que andar cerca de 2 km até o Compaj para entregar alimentos aos presos, em visita que hoje (17) atrasou das 8h para as 10h30 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Manaus é a 21ª cidade mais violenta do mundo segundo levantamento realizado pela Organização Não Governamental (ONG) mexicana Seguridad, Justicia y Paz. No Brasil, a capital do Amazonas é a única do Norte e divide a lista com outras oito cidades brasileiras do Nordeste.

De 2021 a abril de 2023, foram registrados mais de 2.100 homicídios, sendo 1.060 apenas em 2021. No interior do Estado, o número diminui para 867 no mesmo período, segundo dados da secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM).

Até o momento, o mês com maior registro de homicídios foi novembro de 2021, com 148 casos; o menor índice ocorreu em fevereiro deste ano, na capital e no interior.

A SSP não divulgou o gênero, idade, raça das vítimas, o tipo de arma utilizada e quantos policiais morreram em confrontos em Manaus. Também não divulgou ações futuras para o combate à violência na cidade.

Inúmeras situações de violência são vivenciadas pela população, como a que aconteceu com Danielle Carmim, moradora há 42 anos do bairro Raiz, região periférica de Manaus. Ela já presenciou inúmeras violências e conta que, se pudesse, não moraria no local.

“Já vi uma mulher sendo espancada grávida pelo companheiro, quase morreu, foi uma cena horrível. Outro caso foi o da minha vizinha que o neto furtou tudo dela, a família quase não cuida, ela passa o dia inteiro numa cadeira sozinha. Se eu pudesse, não moraria nesse lugar”, reclama.

Para o cientista social e professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Luiz Antônio Nascimento, parte da população manauara têm a cultura da violência presente em sua história.

“É um modo de existir em que a resolução dos problemas, ao invés de serem encontradas nos processos civilizatórios – diálogo, por exemplo – opta pela violência porque aprendeu desde criança. Por isso, é importante debater inclusive a criança como fator que pode contribuir, no futuro, com a violência”, explica.

Cientista social Luiz Antônio Nascimento, da UFAM. FOTO: Arquivo pessoal

Quando a vítima é confundida

Na maioria dos casos, quem não faz parte da criminalidade é vítima, mas, às vezes, ocorrem situações praticamente inacreditáveis, como em setembro de 2022, quando um adolescente foi torturado e assinado por uma facção. Ele foi confundido com um criminoso rival no bairro Cidade de Deus, zona Norte de Manaus.

Um caso parecido, mas com outro tipo de ataque, aconteceu em 2015. O jornalista Daniel Ascenção Amorim, 40 anos, estava voltando do trabalho quando levou um tiro de raspão da perna em uma perseguição da Polícia Militar contra um assaltante.

“Fui atravessar a rua e senti um baque na perna, muito forte. Fiquei meio confuso, estava com sangue escorrendo na calça jeans. Percebi que tinha sido um tiro. Pedi ajuda num restaurante perto, estava tentando entender o que estava acontecendo. Pouco tempo depois, apareceu um rapaz na minha frente: ele deita a cabeça no chão e os pés estendidos; logo depois, chega uma viatura da PM”, conta.

Polícia Militar do Amazonas enfrenta várias frentes de violência. FOTO: SSP-AM

Daniel e as pessoas que estavam no local ligaram para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Depois de perceber a demora para a ambulância chegar, solicitaram novamente o serviço, mas sem sucesso. A resposta foi de que o atendimento para o local havia sido cancelado. Daniel foi levado ao hospital por moradores locais.

“Um dos policiais tentou acusar o rapaz que roubou de ter atirado em mim, mas sei que não foi isso que aconteceu. Enviaram para o hospital uma equipe de policiais fortemente armada para tentar me tirar alguma informação, me intimidar de alguma forma. Fiz o boletim de ocorrência, mas não deu em nada”, conta.

Homofobia causa muitos homicídios

Uma das justificativas para a quantidade de homicídios é a homofobia na capital do Amazonas. Manaus entrou para lista de cidade com maior número de homicídios de pessoas da comunidade LGBTQIA+ no país, em 2022.

Foram 12 mortes violentas de acordo com dados do Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil. Em seguida vem São Paulo e Belo Horizonte; a primeira capital com 11 mortes e a segunda, com 7.

A social media Emile de Souza, de 23 anos,  foi vítima de homofobia em uma instituição de educação da cidade. Segundo ela, o Estado falha em assegurar segurança e ignora os problemas envolvendo preconceitos.

“Não há uma campanha efetiva dos nossos governantes para acabar com esses ataques, como se não estivesse morrendo inúmeros LGBTs diariamente. É um crime que não tem muito punição, por isso o Brasil segue com altos índices”, diz.

Guerra de facções chegou ao Amazonas

Outro aspecto que explica a grande quantidade de homicídios na cidade é a criminalidade organizada em grupos. Na Amazônia Legal e em Manaus, três grandes facções comandam o crime e disputam espaço.

São elas Comando Vermelho (CV), a Família do Norte (FDN) e Primeiro Comando da Capital (PCC). Um dos conflitos mais conhecidos ocorreu em 2017, quando a Família do Norte e o PCC protagonizaram um confronto que resultou em um massacre de 56 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus.

Entrada do presídio onde houve o massacre com 56 mortos. FOTO: Marcelo Camargo/AB

O CV, uma das principais organizações criminosas no Brasil, comercializa entorpecentes no país e no exterior. A FDN é conhecida pela disputa do controle do tráfico de drogas na região amazônica, criado com a união de dois traficantes, Gelson Lima Carnaúba (Gê), e José Roberto Barbosa (Zé Roberto da Compensa). Eles eram aliados ao CV, mas hoje brigam pelo monopólio da venda de drogas em Manaus.

“Como é um negócio extremamente poderoso, mas ao mesmo tempo ilegal, a violência é uma forma que essas organizações encontram para estabelecer limites de comportamento dentro da organização. As vítimas são as pessoas desse negócio, sujeitos que estão devendo e os que estão disputando território. É raro você ter uma organização criminosa confrontando e produzindo violência contra gente fora dessas organizações. O que você vai ter é vingança ou punição”, explica o cientista social Luiz Antônio Nascimento.

Maioria dos crimes não são de facções

Segundo Nascimento, um grande problema é a normalização da violência: a sociedade convive a tanto tempo com ela que naturalizou tal comportamento.

“A maior parte dos casos de violência, sobretudo casos de violência contra a vida, homicídios e agressões em Manaus e no Amazonas, são praticadas por pessoas não envolvidas no mundo do crime, ou seja, não participam de organizações criminosas“, explica o pesquisador.

Segundo ele, “são pessoas que, quando confrontadas, agredidas, submetidas a um conflito vão utilizar a violência contra o outro como forma de solucionar o problema, seja num bar ou num acidente de trânsito”, analisa Luiz Antônio Nascimento.

CV é Comando Vermelho; TD2 significa “tudo bem”. FOTO: Dii Ferraz

Problemas recentes sem resolução

Há anos Manaus convive com a violência, mas, desde 2019, início da gestão do atual governador Wilson Lima (União Brasil), o Amazonas sofre com ataques como o Massacre de Rio Abacaxis e a Chacina do Crespo, ambas sem resolução.

Em agosto de 2020, uma operação policial na região do rio Abacaxis, no Amazonas, resultou na morte de oito indígenas munduruku, de ribeirinhos e também deixou dois desaparecidos. A operação foi deflagrada pela Secretaria de Segurança Pública do Amazonas.

Segundo documento divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a operação no rio Abacaxis não saiu como esperado. “Foi perceptível que, desde a operação inicial, o objetivo nunca foi a busca por traficantes, ou por justiça, mas por vingança”.

Ainda segundo o documento, os dias seguintes daquele mês “foram marcados por fome, sede, humilhações, prisões ilegais, torturas, assassinatos e diversas outras violações de direitos humanos“.

Já a Chacina do Crespo foi responsável pelo assassinato de 17 pessoas em outubro de 2019. Durante a madrugada, integrantes da FDN chegaram armados para tomar o ponto de venda do rival CV. A PM foi acionada e entrou em um confronto com as organizações criminosas.

Antes de ser governador, Wilson apresentava o programa televisivo sensacionalista Alô Amazonas e questionava as autoridades públicas sobre a criminalidade no Estado.

Governador Wilson Lima criticava violência na televisão. FOTO: Seinfra

“O Governo do Estado não tem se dedicado em enfrentar o problema da violência e o tema da segurança pública. A violência pode ser diminuída de duas formas: a primeira é o Estado agir com uma cultura de paz, confrontado a violência; a segunda é o Estado atuando como polícia e com o poder judiciário em locais em que esse tipo de violência acontece”, explica o cientista social Luiz Antônio Nascimento.

Na atual gestão, o secretário executivo Samir Freire foi preso acusado de roubar ouro de garimpos ilegais utilizando a tecnologia da secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), responsável pela coordenação geral de todas as atividades do sistema de segurança pública do Amazonas.

A prisão foi temporária e o governo do Estado emitiu nota anunciando o afastamento e exoneração de Samir e os demais envolvidos.

Elanny Vlaxio

@elannyvlaxio

Esta matéria foi produzida com apoio do Edital Google News Initiative.

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