Foto: Divugalção

Dos 24 deputados estaduais do Amazonas, apenas dois têm projetos de lei voltados para mudanças climáticas, e as propostas ainda aguardam aprovação do plenário. Esse cenário político é apenas um reflexo das dificuldades que ativistas ambientais manauaras enfrentam diariamente.

“Um dos nossos principais desafios é a falta de transparência nos órgãos públicos, que dificulta o monitoramento das atividades parlamentares como, por exemplo, a tramitação de um projeto de lei que possa ser nocivo para o meio ambiente ou para a sociedade”, afirma Alice Almeida, 23 anos, mobilizadora do projeto Minha Manaus.

Por ser apartidário, o projeto não recebe nenhum financiamento público, apesar de tentar estabelecer contato com parlamentares locais pela causa do impulsionamento popular na política.

“Outras dificuldades são o diálogo com representantes do poder público e a sensibilização deles sobre a pressão popular. Entre as nossas experiências, fomos diversas vezes ignorados e chegamos a ter nossos perfis bloqueados pelo Instagram do prefeito de Manaus”, relata.

Participantes do projeto chegaram a sofrer ameaças durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Amazonas Energia, que investigou irregularidades na geração e distribuição de energia elétrica no estado.

Participantes do Minha Manaus na CPI da Amazonas Energia. FOTO: Divulgação

Ativismo popular pelo meio ambiente em Manaus

“Uma colaboradora da Amazonas Energia ameaçou nos processar por causa de uma foto que tiramos quando estendemos uma faixa em protesto à empresa. Ela apareceu na foto e disse que, caso fosse publicada em algum lugar, nós seríamos processados. Não deixamos ela nos intimidar, mas tiramos outra foto de um ângulo que não aparecesse o rosto de ninguém, mantendo o registro da nossa ação”, conta Alice Almeida.

A Minha Manaus é um projeto lançado em 2021 pelo NOSSAS, uma organização de ativismo popular por um Brasil democrático, com justiça climática, racial e de gênero.

Em setembro de 2022, o projeto viralizou nas redes após protestar com um vídeo de “mêsversário” de uma cratera no centro de Manaus, que estava há cinco meses no local. Quase dois meses depois do vídeo, a cratera foi fechada.

Protesto do Minha Manaus contra um buraco no centro de Manaus. FOTO: Divulgação

O efeito das crises climáticas no Amazonas

A Bacia Amazônica é a maior do mundo. Ela faz divisa com oito territórios de países como Colômbia, Peru e Venezuela. E os desastres ambientais continuam acontecendo e aumentando com o passar dos anos.

Em Manaus, em março desse ano, uma chuva alagou pela primeira vez, em 35 anos, o igarapé no passeio do Mindu, na zona leste. A água derrubou e arrastou casas de palafita, conforme vídeo abaixo.

“Não se ouve falar sobre a forma como essas pessoas vivem, se elas têm acesso a coisas básicas como educação, comida e saúde. Quem já se questionou qual o efeito das crises climáticas para os amazonenses e manauaras? O Amazonas vem enfrentando grandes danos das crises climáticas”, afirma Valéria Melissa, de 25 anos, discente de Geologia na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Ela pergunta e responde: “Já se questionaram em quais zonas da cidade essas famílias atingidas pelas chuvas estavam localizadas e em que situação elas moravam? Quem é morador de periferia e pobre sente muito mais esses efeitos.

Ativista há 15 anos, Valéria é moradora da zona Leste de Manaus e, desde pequena, vivenciou a poluição de igarapés e falta de qualidade de vida. Ela conta que cresceu vendo a mãe, que trabalha como agente de limpeza, limpar a cidade, mas se perguntava como o lixo ia parar no igarapé do seu bairro e nos bueiros próximos.

Igarapés são cursos de água comuns na Bacia Amazônica, constituído por um braço longo de rio ou canal.

Ação do Greenpeace em favor da preservação ambiental na Amazônia. FOTO: Divulgação

Como nascem ativistas ambientais

“Ver o que minha mãe fazia e como continuava a situação do nosso bairro criou em mim um desejo muito grande de justiça e mobilização. Eu queria muito poder fazer algo pela minha comunidade, mas não sabia exatamente como e nem por onde começar”, conta Valéria Melissa.

Foi com 11 anos que ela conheceu o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Na época, o Instituto estava selecionando adolescentes moradores de periferia para aprender sobre educação socioambiental. Ela fez um projeto de pesquisa que levava esse tipo de educação para dentro das periferias.

Hoje, Valéria participa do Engaja Mundo e do Greenpeace Brasil. Esteve presente no Climate Justice Camp, acampamento de justiça climática na África do Norte para discutir sobre planos para a COP27.

Valéria no acampamento por justiça climática na África do Norte. FOTO: Divulgação

“Várias vezes não estive nas ruas somente como cidadã civil e sofri repreensão política ou policial. Eles sempre acham que vamos depredar patrimônios públicos ou instaurar o caos, quando na realidade só estávamos fazendo uma caminhada pacífica exigindo nossos direitos. Definitivamente, não temos apoio do estado em nossas lutas, em nossas causas, nem em nossas vidas”, desabafa Valéria Melissa.

Para Mayara Alves Barbosa, de 26 anos, facilitadora do grupo Greenpeace Manaus, a educação é uma das chaves para que a mudança comece.

“Falar sobre meio ambiente na escola é necessário, é onde os alunos começam a entender sobre a educação ambiental. O objetivo a compreensão dos conceitos relacionados com o meio ambiente: sustentabilidade, preservação e conservação, formando cidadãos conscientes e críticos“, acredita a ativista.

Segundo Mayara Alves Barbosa, é urgente “o aumento de práticas sustentáveis, bem como a redução de danos ambientais, promovendo a mudança de comportamentos tidos como nocivos tanto para o ambiente, como para a sociedade”.

Ainda há políticos negacionistas das mudanças climáticas

Nas primeiras semanas de junho, durante um fórum da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o secretário do clima de São Paulo, Antonio Fernando Pinheiro, disse que o “planeta se salva sozinho” e que não será salvo por seres humanos. A fala foi rebatida por uma procuradora federal que o chamou de negacionista. Não é só ele que pensa assim.

Para o geógrafo e ambientalista Carlos Durigan, um dos maiores desafios é a gestão pública em áreas protegias de Manaus e do Amazonas, além do negacionismo de políticos. Somente em maio deste ano, a prefeitura de Manaus assinou um termo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) para elaboração do Plano de Ações Climáticas da capital amazonense.

Carlos Durigan, geógrafo, vive e atua na Amazônia há quase 20 anos. FOTO: Divulgação

“O desafio ainda é grande. Vemos políticos resistentes e negacionistas da situação em que vivemos. Precisamos reverter e isso, muitas vezes, leva a um travamento da evolução dos entes públicos nas ações concretas para revertermos o cenário negativo em que nos encontramos. Ainda é preciso melhorar muito a gestão pública de nossas áreas protegidas e do manejo que fazemos da natureza quando exploramos seus recursos”, explica.

Para ele, os jovens ativistas ambientais são uma das peças principais na luta pelo fortalecimento do meio ambiente.

Jovens têm sido a força motriz do movimento ambientalista global há décadas, engajando-se sempre de forma crítica e qualificada. Acredito que, no Amazonas e seus municípios, existe um engajamento cada vez maior em causas importantes”.

Segundo Carlos Durigan, “atuar em defesa de nosso patrimônio natural e na luta por direitos dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, construindo um modelo de desenvolvimento regional sustentável, só vai ser possível com o fortalecimento do movimento local e global e com jovens amazônidas assumindo o protagonismo nestas frentes”, acredita.

Esta matéria foi produzida com apoio do Edital Google News Initiative.

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