Inicio mais essa jornada relembrando uma semana que estive em São Paulo para finalizar um documentário para a Pinacoteca. Como sou um cara de sorte, esbarrei com meus irmãos do Awurê, que estavam se apresentando na Terra da garoa. Assim que cheguei no local, encontrei minha camarada Natara Ney.

Natara é uma mulher preta, pernambucana, periférica, cineasta e jornalista. Sou fã da Natara, nos conhecemos no laboratório da FLUP, desenvolvendo argumentos em parceria com a TV Globo. Eu e Natara temos uma coisa muito forte em comum: o amor ao pagode.

Assim que terminou o show do Awurê, tivemos o mesmo insight e fomos para o Templo Bar assistir ao show do Marquinhos Sensação. Já no táxi, Natara me disse: “Paulinho, eu quero fazer um documentário sobre esses meninos do pagode 90”. Achei o máximo, pois hoje sou cineasta por conta do pagode, foi o pandeiro que me trouxe até aqui, e naquele momento afirmei: “Conte comigo!”.

Fiquei felizão por perceber que uma mulher preta e potente dentro audiovisual está preocupada em documentar o que aqueles “meninos” tiveram de passar, durante uma década pesadíssima socialmente no país, para alavancar um dos ritmos mais tocados no planeta.

Um dupla da pesada

Natara estava ao lado da querida Erika Cândido, que é cria de Vicente de Carvalho, zona norte do Rio de Janeiro e uma das mais requisitadas produtoras do país, com premiações em Rotterdam, Sundance, Cannes, além dos maiores festivais nacionais.

Elas fundaram a Kilomba Produções em 2018, com o objetivo de criar e desenvolver conteúdo audiovisual para diversas plataformas. Um dos principais compromissos das realizadoras é fomentar ecossistemas e cadeia produtiva no audiovisual negro – e o objetivo está sendo cumprido.

O documentário Elza Infinita, realizado pela dupla, segue sua trajetória de sucesso, sendo finalista do New York Film Festival, considerado um dos principais festivais de cinema do mundo. A indicação mostra a potência do audiovisual das mulheres negras brasileiras.

Erika, em 2021, foi responsável pela direção de produção do especial Isso é Coisa de Preta, para o canal GNT. Natara encarou o desafio de montar mais de 20 longas metragens e séries. Recebeu diversos prêmios de montagem com os filmes Divinas Divas, Mistério do Samba e Um Outro Ensaio. Nos últimos anos, dedicou-se à criação de roteiros e à direção.

O que Quero Dizer Quando Falo de Amor

Poderia ficar aqui escrevendo sobre essa dupla por um bom tempo, pois o meu lado fã dessas duas mulheres cineastas me coloca em uma situação bem tranquila de perceber que o cinema preto brasileiro está muito bem respaldado, já que Natara Ney e Erika Candido estão juntas e na linha de frente.

Em 2023 vamos ver amor negro nas telas, as cineastas estão em fase de finalização do roteiro da série documental O que Quero Dizer Quando Falo de Amor. Ganhadora do edital de desenvolvimento de roteiro da Rio Filme de 2021, a série se propõe a falar sobre amor, sexo e relacionamentos afetivos com foco na população negra, mas abrindo espaço para o diálogo com a população não negra.

Que a Kilomba Produções tenha vida longa e próspera, para que nós possamos do lado de cá, seguir contemplados pelas suas obras audiovisuais de excelência e potência, mostrando ao planeta que temos mulheres pretas competentes e que nos representam muito bem, provando ao mundo que é possível fazer audiovisual com afeto e olhar periférico.

Sigam firmes, queridas Kilombas.
Axé!

Paulinho Sacramento é carioca, cineasta, artista residente de pesquisa em artes do MAM-RJ (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), gestor cultural, diretor do Rio Mapping Festival, Imperiano de Fé e vascaíno.

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