Sem outras organizações criminosas para se aliar, milícia não tem força para confrontar Primeiro Comando da Capital

Detentos exibem faixa que estampa os números do PCC junto de seu lema “Paz, justiça e liberdade” | Foto – Márcio Scratrut (reprodução Gazeta do Povo)

Presente em mais de 23 estados brasileiros, o Primeiro Comando da Capital (PCC) é uma organização criminosa fundada na década de 90 nos presídios de São Paulo, estado onde detém poder hegemônico. 

Esse monopólio dificulta que outras organizações criminosas ganhem espaço, incluindo as milícias, que não têm a quem unir forças para enfrentá-lo. Diferentemente da realidade do Rio de Janeiro, onde a fragmentação do poder territorial leva a confrontos frequentes e alianças instáveis entre diferentes facções e milicianos.

“Agora eles (milicianos) tomam o poder e fazem associações com o tráfico para ganhar dinheiro”, explica Bruno Paes Manso, jornalista, pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da USP e autor do livro “A república das milícias”, vencedor do Prêmio Jabuti de 2021 na categoria biografia, documentário e reportagem.

Somado a isso está o medo da população. Segundo uma pesquisa feita em 2019 pelo instituto Datafolha, a milícia é mais temida pelos moradores das periferias do que as facções, devido a imposição de poder a partir da violência. 

Fundação e fortalecimento do PCC

A organização foi fundada em 1993, no Centro de Reabilitação Penitenciária da Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo, como uma resposta ao massacre do Carandiru ocorrido em 1992, onde 111 presos foram assassinados pela polícia. Seu objetivo inicial era combater a opressão dentro do sistema prisional e melhorar as condições oferecidas aos detentos.

O PCC iniciou sua expansão pelos estados brasileiros a partir dos anos 2000, após consolidar sua presença no sistema prisional paulista. Essa expansão foi facilitada pelo fortalecimento de suas redes de comunicação e pela coordenação de ações violentas, como as rebeliões em presídios de 2001, que ajudaram a estabelecer sua autoridade e influência sobre detentos de outras regiões​.

O poder da facção advém, principalmente, do comércio atacadista de drogas, tornando-se uma espécie de agência reguladora do narcotráfico brasileiro e uma das maiores exportadoras de cocaína da América do Sul. 

Segundo investigações do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, o grupo criminoso fatura, pelo menos, cerca de 5 bilhões de reais por ano.

Manutenção da ordem através do poder paralelo

Para manter a ordem das regiões e penitenciárias que comanda, o Primeiro Comando da Capital estabeleceu uma série de estratégias. Uma delas, foi a criação de um rígido estatuto dividido em 45 regras. Essas regras de conduta visam preservar a disciplina e a harmonia do grupo, promovendo um comportamento considerado “ético” dentro de seus padrões criminais.

Outra estratégia foi a criação do Tribunal do Crime, espécie de poder paralelo que julga e pune membros que violam o estatuto ou cometem infrações graves. As punições variam de multas e agressões físicas à execução, dependendo da gravidade da infração. 

Além disso, para manter a ordem dos bairros sob seu domínio, a facção impõe regras próprias aos moradores e visitantes. Atuando como uma espécie de governo paralelo, ela garante a segurança local e resolve conflitos internos, como uma alternativa à ausência do Estado.

Surgimento e atuação das milícias

Durante o período da ditadura militar, as milícias surgiram nas comunidades mais vulneráveis da zona oeste do Rio de Janeiro como grupos de extermínio compostos por policiais, bombeiros e agentes de segurança. O propósito inicial era combater o crime organizado. 

Hoje a realidade é outra: visando lucro e poder, as milícias cariocas buscam domínio territorial exercido por meio da extorsão e imposição de serviços básicos, como transporte, gás e eletricidade. Sua autoridade é baseada na imposição do medo sobre os moradores, suprimindo qualquer tipo de resistência ou concorrência.

Manso explica que todos aqueles que estão na disputa de poder são vistos como inimigos para os milicianos, mas há também inimigos simbólicos: “A Marielle é uma inimiga simbólica das milícias, por ser uma mulher de esquerda, favelada e lésbica. Eles vão construindo símbolos e agindo sempre como se a política fosse uma guerra.”

Ações policiais abrem espaço para milícias em São Paulo

Historicamente, um fator que contribui para a expansão das milícias nos estados brasileiros é a fragilização do controle sobre os policiais. A partir do momento em que o abuso de poder é permitido e até incentivado pelo poder público, a comercialização do poder de matar é facilitada.

Segundo Manso, “O poder de decidir quem vive e quem morre é muito valioso e os policiais vendem esse poder para quem pode pagar. É assim que eles entram na milícia.”

Esse tipo de permissividade pode ser identificada na postura do governador do estado de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos) sobre as mais de 50 mortes cometidas por policiais durante a Operação Verão na baixada santista.

“Sinceramente, temos muita tranquilidade sobre o que está sendo feito, então o pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí.”

Sem força para confrontar o PCC, policiais corruptos de São Paulo têm oportunidade para reproduzir as estratégias que a milícia carioca utiliza há anos: se aliar à organização criminosa enquanto fortalecem um poder próprio.