Os eventos literários da Bahia, historicamente voltados a escritores consagrados, estão em transformação. Antes restritos ao “mais do mesmo”, com foco nos autores estabelecidos, esses eventos começaram a abrir espaço para vozes periféricas, artistas independentes e novos formatos. A luta foi encabeçada por grupos como o Fala Escritor e a União Baiana de Escritores (UBESC), culminando em conquistas como a inclusão de editoras independentes na Bienal do Livro da Bahia durante a gestão de Ubiratan Castro, que garantiu um estande gratuito para esses coletivos.
A gestão de Valdeck Almeida de Jesus como presidente do Primeiro Colegiado Setorial de Literatura (2012-2014), trouxe outro marco: o termo “escritores baianos” foi substituído por “Artistas da Palavra”, ampliando o conceito para incluir contadores de histórias, performers, mediadores, pesquisadores etc. Atualmente, o movimento luta por políticas de valorização financeira. A reivindicação por cachês nos eventos literários, seja em feiras municipais ou nacionais, ganhou força com um abaixo-assinado que gerou um processo na Secretaria de Cultura da Bahia Secult-BA: 022.2247.2024.0008383-05.
Para Rita Pinheiro, a Garimpeira da Cultura, recentemente eleita para o Conselho Estadual de Cultura da Bahia – CEC, detona “É inadmissível o ‘sucateamento literário’ dos autores independentes nas feiras literárias.” E ainda dispara: “O tratamento diferenciado entre os participantes nas feiras literárias é visível; o não pagamento de cachês pelos organizadores tem sido uma prática que não pode ser compreensível diante dos projetos serem contemplados em editais e terem na maioria das vezes apoio da
prefeitura local e/ou patrocinadores.”
A escritora Anajara Tavares, autora de Unguento e participações em várias antologias e produções culturais na Bahia, questiona: “Como manter a produção artística sem as mínimas condições de existência? Anajara afirma que é indispensável que olhem para os autores independentes com o mínimo de respeito, reconhecendo que é um capital intelectual que está sendo circulado nas feiras, e que capital intelectual não se paga com muito obrigado, vitrine ou possibilidades futuras. Para a escritora “o investimento na produção de um autor
independente não pode ser feito apenas por ele.
Se a literatura deste autor está a contribuir para o cenário literário, é no mínimo desrespeitoso que não lhe garantam nada de subsídio à manutenção de seu trabalho.” Sobre visibilidade em eventos, Anajara se queixa: “vitrine não paga transporte, não paga alimentação e não possibilita o mínimo para a continuidade de um trabalho intelectual.” Oxossi de La Rua, também conhecido como KN, o poeta Ítalo Andrade Guimarães,opina que é importante que se pague cachê para autores independentes em eventos literários porque “é para nossa sustentabilidade, é saúde mental e valorização”.
E faz uma chamada aos escritores que façam a crítica da estrutura vigente para que haja sua transformação e para torná-la mas igual, justa igualitária. A demanda por inclusão dialoga diretamente com a Lei 12.244/2010, que prevê bibliotecas em todas as escolas do país, e com o Plano Nacional de Cultura (Lei 12.343/2010), que destaca a democratização do acesso à leitura.
Além disso, iniciativas como a Política Nacional de Leitura e Escrita (Lei 13.696/2018) reforçam o direito à literatura, reconhecendo a leitura como essencial para o desenvolvimento cultural. A mobilização dos Artistas da Palavra expõe a necessidade de maior reconhecimento e investimento na diversidade cultural, ressaltando que a democratização do acesso à literatura passa, também, pela justa valorização de seus protagonistas.
“Oh! Bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro, caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar!”
(Fragmento de Espumas Flutuantes – Castro Alves)