A ocupação de comunidades cariocas, incluindo a recente no Complexo do Alemão, tem sido ufanamente propagandeada pelo governo do estado como a solução para a violência. O governador Sérgio Cabral e seu séquito se tranformaram aos olhos de muitos cariocas, principalmente os residentes das zonas nobres, nos salvadores do Rio de Janeiro. Infelizmente, a história não é tão cor de rosa e simples assim. O fato é que as facções que controlam o tráfico de drogas sempre fizeram acordos com as autoridades políticas e com a polícia. Se algumas comunidades estão sendo ocupadas agora não é porque o governo finalmente resolveu proclamar a paz no Rio. Sempre souberam, aliás, que com a ajuda do exército essa estratégia seria possível. O que desencadeou essa nova política de ocupação não foram os nobres sentimentos de que é obrigação do estado extirpar a violência. A explicação passa por exigências internacionais relativas à realização das Olimpíadas e da Copa. Até hoje, tinha sido muito lucrativo manter os guetos ocupados pelos traficantes e ganhar deles gordas propinas semanais e mensais. Agora, porém, empreiteros e empresários entraram na concorrência dos lucros por causa desses eventos e, então, Sérgio Cabral e sua turma resolveram matar três coelhos com uma cajadada só. Sim, são três. O primeiro coelhinho é a grana preta que vai entrar para o bolso governamental por meio de licitações visando Olimpíadas e Copa. O segundo coelhinho é a própria propaganda que tem sido muito bem sucedida ao convencer muitos cariocas de que as intenções das intervenções são as melhores possíveis. O terceiro coelhinho? Ah, esse é o mais precioso, mas só revelo depois que abordarmos um assunto importante: o que significa a paz e a violência para as autoridades, os moradores das zonas nobres e os que residem nas comunidades.
O fato é que a paz tem sido definida pela classe média e políticos como ausência de tiroteios, roubos e assaltos. É um explicação válida, mas incompleta. Ocupar as comunidades é apenas o primeiro passo para coibir o comércio ilegal das drogas e seus crimes derivados, mas não há como bloqueá-lo apenas por uma de suas manifestações. Não há de se esquecer que as conexões das drogas completam-se com a participação de autoridades e dos consumidores da classe média. Quem gera violência não é a comunidade, mas todo o sistema do qual ela faz parte. O Complexo do Alemão deve ser ocupado? Ok. Então ocupem as fronteiras e prendam os grandes negociadores do colarinho branco que negociam armas e carregamentos para os chefes do tráfico. Voltando à questão da violência, ela só pode ser combatida com ocupação social e humanitária. Isso requer não só presença física dos policiais, mas investimento em emprego e educação para os que não têm oportunidade. Para quem mora numa área pobre, paz não é só a ausência de tiros e bandidos. Paz é poder dormir tranquilo por ter o que comer, saber que o filho estuda numa escola de qualidade e que, no dia seguinte, haverá trabalho para ganhar o dinheiro e realizar sonhos. É a vida de milhares que está em jogo. Essas questões humanitárias não são prioridade do governo. A paz, física, só o é agora por conta dos dividendos que trará economicamente e com o eleitorado.
Para fechar a reflexão, trago a vocês o terceiro coelho – um filhote apenas, que pode vir a ser alimentado nas sombras da escuridão. Alguém acredita que o comércio de drogas irá realmente acabar? E alguém se lembra quem o comanda na comunidade de Rio das Pedras? Pois é, a polícia. Ainda não dá para afirmar categoricamente, mas o fato é que corremos o risco de apenas mudarmos o comando da comercialização de drogas e termos os entorpecentes vendidos pelas próprias UPP’s. Já aconteceu antes na história do Rio de Janeiro. Pode acontecer de novo. E, se acontecer, será a maior tacada que uma autoridade terá feito na cidade. Quase o crime perfeito.
É preciso questionar sempre as “boas intenções” e, principalmente, verificar quanto dinheiro circula em nome delas. Obtive uma informação extraoficial que dá conta de que o comando do tráfico teria pagado para que a polícia e exército deixassem fugir os traficantes do Alemão, naquela cena que foi veiculada por todos os canais de televisão. Se pensarmos bem, faz todo o sentido. Por acaso a polícia e o exército não foram competentes o suficiente para fecharem todas as possíveis rotas de fuga e prender os criminosos? Estranho, não? A verdade é que está cada vez mais difícil saber quem é bandido no Rio de Janeiro. Não os que ostentam fuzis nas comunidades, claro. Eu me refiro aos de farda, aos de mandato. Esses sim, lucram muito mais do que nos é possível imaginar.