55 anos de vida e outra vez chocada com o seqüestro do Natal pelo consumismo mais desvairado –inclusive, o pior deles, o meu – é tempo de recuperar o poema de Carlos Drummond de Andrade e reconhecer que será preciso nos redimir para o ANO NOVO. E fazer por merecê-lo!
“Para você ganhar belíssimo Ano Novo, cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido. … Você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo. Eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.”
Como cidadã fluminense, sinto que o ano começa cheio de novidades positivas: Primeira mulher presidenta… Esquece, isso é outro artigo! A nova postura da segurança do Rio. Bem, isso me importa. E é porque essa questão me diz respeito que, penso, toda a Sociedade deve se envolver.
Parece contraditório mas, sempre vai ser preciso que cada um de nós faça a diferença para tentarmos construir uma nova ordem societária, onde, a justiça e a paz possam se impor de fato, e não só, na propaganda.
Tirando os desejos “pétreos”, isto é: os pedidos de que todos e todas, a quem amamos, gozem de saúde, paz e possam manter uma vida digna para suas famílias, se possível com alguma folga para curtir a vida; há, ainda, os desejos coletivos, movidos pela solidariedade de classe e, é sobre eles que pretendo falar neste artigo. Até porque, só desta forma, abusando do convite dos amig@s da ANF -Agência de Noticias das Favelas; posso justificar minha ousadia de tornar públicas algumas das minhas reflexões. E, até achar que alguém (certamente uma “alma caridosa”)que se interesse em debatê-las compartilhá-las comigo.
Assim, nessa entrada de 2011, vou deixar de lado o permanente desejo=ambição pelo Socialismo. Farei, apenas, um pedido. Mas, reconheço, também não tão fácil de ser conseguido.
Meu primeiro desejo para 2011 é que a QUESTÂO DA SEGURANÇA PÚBLICA no Rio seja tratada por medidas efetivamente estruturantes e, que, para além de vencer a disputa pelo monopólio da força sobre os grupos criminosos; o Estado transforme nossa amada cidade (e todas as demais cidades brasileiras) num território de paz e igualdade e onde a Soberania do Estado Democrático de Direito impere.
Para isso, não só os atos criminosos do tráfico de drogas devem ser apurados e punidos com rigor; como TAMBÉM todos os casos concretos que sejam promovidos pelas forças de segurança, tais como: tortura, ameaça de morte, invasão de domicílio, injúria, corrupção, roubo, extorsão e humilhação, além dos crimes ligados à execução de pessoas “identificadas como bandidos” não registrados, ocultação de cadáveres e desaparecimento.
E se recoloco essa questão em plena passagem de ano é porque ainda não esqueci a tensão que experimentei ao acompanhar a tomada cinematográfica do território das favelas do Alemão e da Vila Cruzeiro na cidade do Rio de Janeiro. Essa ação possibilitou que os governos, e seus veículos midiáticos, tentassem vender para população do Brasil, e do mundo, a tese de que “o Bem” tinha vencido uma suposta batalha contra o “Mal”. Mas, sabemos, que essa foi só mais um reforço ao discurso ideológico que abre espaço para uma visão criminalizadora da pobreza e que, perigosamente, muitas vezes vem junto da permissão para que se relativize direitos humanos, e de cidadania, da população favelada. Afinal, todos sabem que só no espaço da pobreza qualquer agente do Estado entra na casa das pessoas sem convite ou mandato judicial. Isso inexiste nas áreas mais nobres da cidade, mesmo quando se trata de prender banqueiros do tráfico, magnatas do contrabando ou conhecidos executivos dos crimes de colarinhos brancos. Afinal, no sistema do capital, a exploração de classe torna algumas pessoas “mais gente” do que outras….
Assim, nesse ANO NOVO, é preciso pular 7 X 7 ondas para assegurar que vamos todos e todas ficarmos vigilantes e, caso ocorram (ocorrerão!) abusos cometidos pelos prepostos do Estado, estejam eles oficialmente trajados com uniformes militares ou das forças armadas; ou à paisana, agindo como milícias, máfias por dentro da estrutura do Estado; possamos agir firme e solidariamente contra os mecanismos de cooptação, corrupção e outras práticas de repressão que são criminosas! E, dada a desigualdade de classe, atingem principalmente nossos rapazes: jovens, negros e pobres.
Vai ser preciso também que, comprovada a liberação dessas comunidades, não se instale a já conhecida política de remoção da prefeitura que; na maior parte das vezes está a serviços dos magnatas da especulação imobiliária e, promove o afastamento da população original para permitir a invasão dos novos seguimentos das classes A e B.
Não conciliar um só minuto com esse tratamento injusto e preconceituoso contra classes populares; que estão presentes no conjunto da Sociedade e, consequentemente, nas forças de segurança do estado, em toda sua linha hierárquica, é a contrapartida para que se obrigue aos governos a seguir as diretrizes e filosofia do Programa Nacional de Segurança Pública Cidadã e acabar com a prática anterior que era “entrar, matar e sair” das comunidades em situação de risco.
Se no Pronasci o novo paradigma de segurança passa pela concepção de que uma polícia eficaz é aquela que junta sua ação comunitária a um trabalho articulado com programas sociais nas regiões onde há risco de conflitos, é preciso exigir maior transparência e criar mecanismos de controle social das políticas públicas de segurança. Ao que se sabe, por exemplo, até hoje, não se tem o quadro completo de quantas pessoas foram mortas em operações policiais desde a tomada da Vila Cruzeiro. Em que condições as pessoas foram mortas? Quanto foram os feridos? Quais são os resultados das denúncias de abuso de poder de policiais feitas pelas famílias no Alemão?
Não só as Unidades de Polícia Pacificadora, mas todo o aparato militar do estado precisa provar ao povo fluminense que, de fato, como anunciam os jornais de hoje, vierem para desmontar o antigo e perverso sistema da “gratificação faroeste”, cujo princípio vigora desde o governo tucano de Marcelo Alencar, e, no primeiro semestre de 2010, já colocou o Rio de Janeiro em primeiro lugar no Brasil (e na maior parte do mundo) como o estado onde, proporcionalmente, os policiais mais matam em “situação de confronto”. Entendo que está correta a ordem de se reduzir número de homicídios dolosos nas ações policiais, e é possível avançar para além da meta de 6,67% fixada pelo Secretário de Segurança para este ano.
Na verdade, caso se trabalhe de forma integrada nas áreas da prevenção, investigação e coerção, além das ações repressivas, é possível mudar a historicamente fracassada política de segurança do Rio. Mas, para isso, é fundamental priorizar a valorização salarial, a formação geral e humanista de seus quadros e promover a estruturação e modernização de seus equipamentos e logística.
Só assim estaremos fazendo nossa parte na construção da paz e fraternidade que tanto almejamos para nossa bela cidade em 2011. Feliz Ano Novo a todos e todas!
Sonia Latgé é Mestre em Educação e Trabalho pela UFF, Eletricitária Aposentada e Dirigente Estadual de Movimentos Sociais do PCdoB. RJ)