Tão logo o Brasil foi sorteado como sede dos Mega Eventos esportivos (correspondendo nossa paixão nacional) que ocorrerão pelas terras tupiniquins, o tal salto de qualidade em infraestrutura passou a frente na agenda (os critérios de seleção são tão óbvios?) dos temas nacionais e suas causas democráticas. O Brasil já está sendo veiculado ao vivo para todo o mundo e o mundo inteiro está de olhos vidrados aqui, nesse país. As mudanças que estão em curso não visaram atender, principalmente, a nação brasileira. Sendo a maioria pobre, esses não terão acesso pra acompanhar de perto as competições.

Do lado de fora dos estádios da Copa das Confederações, ignorando a ignorância do Pelé, “O Rei do Futebol e “Atleta do Século” as manifestações contra esse estados de coisas sopraram como um vento forte que se predispõe na “virada” do tempo assim mesmo como foi (e sempre será), repentinamente. No meu entender, estamos num mormaço cultural. Teremos dias de sol, assim como dias de chuva; mas é sinal que o equilíbrio da ordem natural das coisas está sendo, sim, conquistado pelas demandas que a população se impõe como seu próprio protagonista, através da pressão das pautas que precisam ser debatidas entre todas as camadas da sociedade pra poder resolver seus próprios problemas sociais.

O movimento que emerge das ruas, sem representatividade dos de cima, certamente não aproximará o povo dessa “política”; ao passo que a tomada de consciência da cidadania em sua Carta (que é também democrática), foi quem fez a política se aproximar do povo. Esse em sua direção e de energia juvenil constrói o projeto de nação em suas mentes e corações; pulsava na sensibilidade desinibida das mesas de bar e encorajava no anonimato que a internet pode propor. Para as ruas, num fenômeno social, ‘confundiu’ a opinião pública ainda sem entender o que entrou em jogo e está se fazendo levantar desse movimento.

Nesse momento de crise de representatividade deflagrada de baixo pra cima, restou aos últimos verem e ouvirem os primeiros, invertendo a palavra final pra voltar atrás em suas decisões. Começando por aquilo que teria sido o estopim, a revogação do aumento do transporte coletivo. Se não houvesse democracia direta, jamais esse diálogo teria eco. Destacamos que a Educação e a Saúde são os pilares de sustentação de uma sociedade com altos índices de analfabetismo e enferma, consubstancialmente, podemos também contextualizar o que teria levado Bertolt Brecht a escrever “O Analfabeto Político” encontra ressonância direta com esses dias em que vivemos nos quatro cantos do Brasil.

Não reforço o coro “Fora Dilma!” mas caso a edição especial do Jornal do Brasil de 24/09/2006 virasse realidade algum dia, teria meu apoio. O virtuoso -assim seria a sua vassoura- Amir Haddad foi simbolicamente eleito presidente (ou foi um golpe de estado?) do país com direito a um (Anti) Hino Nacional composto por Fausto Nilo e a primeira Bandeira-Hino da história universal desenhada e musicada por Carlinhos Brown. Como seria seu governo? “Será preciso também enfrentar de frente a questão cultural. Talvez aí esteja a resposta. Não se faz revolução só com economia. A nação só se movimenta quando o pensamento se movimenta.” E sempre quando a ideia é boa se ascende uma luz.

Em entrevista concedida antes da utópica posse Amir informa um detalhe que faz toda a diferença: “Quando o Gal. Médici (ou Castelo Branco, não lembro) foi assistir a uma peça minha e gostou, eu vi que o problema não era a mensagem e sim a linguagem. Larguei tudo e fui para as ruas”. Fazendo teatro de rua com seu grupo ‘Tá Na Rua’ (eu já fiz teatro lá) diz ter aprendido a entrar em contato com a “ignorância” de sua própria sabedoria e com a “sabedoria” da ignorância (o próprio tem autonomia pra chamar assim, sem escândalo, pois são com eles com que mais tem aprendido) popular.

Amir propõe uma reflexão. Comparando que “Shakespeare, até hoje, faz mais pela nação inglesa que qualquer rei, ministro ou rainha fez ou jamais fará. Investir na manifestação consolida a identificação. E ajuda a descolonizar nossos afetos, sentimentos e pensamentos mais profundos”. Afinal, o que o mundo pode esperar de nós? O DIA EM QUE A TERRA PAROU pode ter sido um dia em que nenhum dos habitantes do planeta saiu de suas casas, ou a chegada de um E.T pedindo por paz aos líderes mundiais. Podemos imaginar também um dia onde brasileiros espalhados nos países mundo afora, frente aos consulados, nas praças, estejam conectados a tudo que acontece, e que, embora seja por protestos diferentes; o sistema político também pode globalizar a democracia. O novo pede passagem por meio da multidão.

Nessa travessia, porém, corremos riscos em cair nos erros do passado. Aproveito a oportunidade de citar novamente o grande Amir Haddad “Quem faz a República são os políticos. Quem faz a Pátria são os militares, mas quem constrói a Nação são os artistas”. Daí que compreendemos os modos de ver o mesmo país sobre cada prisma diferente. Uma Pátria por militares nós já tivemos e se tratou do pior período da vida brasileira (vivemos um perigo caso esse nacionalismo venha se exacerbar). A República se reformula por último, somente quando a Nação é tomada pelas mãos do seu povo. Falta esse caldo de cultura.

Nossa herança étnica e cultural é que fortalece a cidadania e mexe com a autoestima da maioria da população que, declaradamente, não se vê representada no cenário político (incluindo aí os 99,9% dos manifestantes Brasil afora), nem como âncora (o barco tá passando) do noticiário televisivo, muito menos nas novelas de TV, nos cinemas entre outros veículos de comunicação em massa.

Daí, que nenhum especialista, acadêmico, sábio ou profeta conseguiu classificar quem são esses atores que tomaram de assalto “as manifestações”, já que não existem líderes. A massa dessa população não pode ficar sem sua essência, sua ancestralidade. Como diz o consagrado teatrólogo Amir Haddad (de ascendência árabe): “Somos todos feitos da mesma origem e da mesma história. Africana, índia, ibérica, mediterrânea, grega, romana. O homem branco protestante do Atlântico Norte não é dono da verdade”. Esse jogo precisava começar a ser virado.

As demandas por um transporte de qualidade e condicionado à mobilidade urbana faz que a cidade ganhe contornos democráticos e plurais pelos mesmos espaços públicos, ao cabo que a distância entre as áreas nobres e periféricas diminuam também ao quesito dos direitos de equidade ao acesso ao lazer, aos bens culturais e esportivos tão desproporcionais quanto à pirâmide social brasileira. Nessa pauta em resposta da presidência da República ao seu povo, a Educação também ganha espaço sendo bandeira da União Nacional os Estudantes (UNE) em seus últimos congressos como destinação de 50% do Fundo Social do pré-sal e 100% dos royalties do petróleo para essa área, tão carente e sucateada. Acabou de ser aprovado 50% do Fundo Social do pré-sal e 75% dos royalties pra Educação e 25% pra Saúde.

A corrupção pode passar a ser crime hediondo assim como a tortura e o terrorismo é. O que na teoria pode ser excelente; na prática precisamos ficar atento quanto ao exemplo da China onde corrupção é consentida como pena de morte e nem mesmo assim, não livrou aquela imensa nação de ter tanto seu povo e seus representantes sem seus próprios corruptores e corruptos. Da maneira que “ninguém joga pra perder”, financiamento público para as campanhas e, claro, perda de mandato pra quem não cumprir suas promessas. O plebiscito pra Reforma Política não pode divergir do básico.

Nossa alegria como é reconhecida internacionalmente, precisa entrar em sinergia com essa energia que fervilha nas ruas pra desengavetar o projeto nacional, do Brasil de ontem e de hoje, e por na agenda depois da Reforma Política, a Reforma Tributária, a Reforma do Judiciário, a Reforma Agrária e Urbana, a Reforma Universitária etc… E tudo o mais que precisamos fazer pra nos assumimos como “O País do Futuro”. Estamos mais perto agora do que imaginávamos até a madrugada de 1° de Abril de 1964. Aí, sim, será o maior show da Terra. No Hino de Carlinhos Brown, as primeiras palavras são em banto, última flor do benuê-congo. A volta por cima da apatia nacional desmitifica a entrega; não se deve morrer pelo Brasil, porque de amor se vive. Viva Mandela!

Paulo Mileno – Ator