DEU NO GLOBO DE 23 DE AGOSTO DE 2000: “ANDRÉ FERNANDES OBRIGA O PM DISFARÇADO A FILMAR UM POSTO ABANDONADO”
A foto de Domingos Peixoto confirma a frase segundo a qual ‘uma imagem vale por mil palavras’. Afinal, não é todo dia que vemos um líder comunitário obrigar um agente do braço repressivo do estado, tomando-o firme mas educadamente pelo braço, a registrar um crime do próprio estado, qual seja, o abandono de um posto comunitário da fundação Leão XIII.
Obviamente, este agente secreto do estado, assim como nos tempos dos DOI-CODI, tinha ido até à favela com a função específica de espionar a mobilização popular que ali se articulava e de onde se irradiava, pouco a pouco, para outras favelas.
Na camisa deste líder comunitário lia-se “Movimeto Favelania”, movimento que tinha como base um princípio muito simples: que os moradores das favelas passassem a agir como sujeitos de suas próprias ações.
Ou seja, defendia, em um espírito próximo à ‘koinonia’ das primeiras comunidades cristãs, que somente com união, mobilização e estreitamento dos laços comunitários (e ‘comunidade’ é uma tradução de ‘koinonia’) seria possível obter melhorias reais, já que o estado era incapaz de realizá-las.
Como era de se esperar, esta ideia, simples e antiga, gerou inúmeros temores entre as classes privilegiadas e nos seus representantes de ocasião, os políticos da vez, que não tardaram em tentar cortá-la pela raíz.
Um consulta preliminar às matérias do jornal O Globo, publicadas no período entre 1997 e 2001 e disponibilizados recentemente pelo projeto Acervo Digital, nos permite ter uma visão tanto das ações destas lideranças quanto da tentativa do estado de criminalizá-las.
As 13 matérias que consultamos revela claramente que, entre 1997 e 1999, André Fernandes, que formulou o conceito de favelania e era uma das principais lideranças do movimento, ocupa as páginas do jornal com diversas denúncias, cobranças e ações comunitárias, tais como difundir entre os favelados ideias básicas da cidadania, como a inviolabilidade do lar sem mandato judicial, por exemplo.
A partir de 2000, no entanto, as reportagens revelam a ofensiva do estado no sentido de criminalizar, por um lado, os líderes mais combativos e alinhados ao princípio básico da noção de ‘comunidade’ e, por outro, elegendo como lideranças ‘autorizadas’ os mais alinhados aos interesses do estado, os ‘chapa-branca’.
Traçar o fio da meada desta história, importantíssima para a compreensão da mudanças em curso no Rio de Janeiro ao longo das últimas décadas, é tarefa a ser realizada no futuro.
Por ora, como conclusão, cumpre apenas saudar os líderes que ousam pegar o estado pelo braço.