Fiquei feliz de surpresa quando assisti ao comercial na TV anunciando o Bilhete Único. Essa é do trabalhador –pensei. No mesmo dia entrei no site que dizia que o cartão era vendido nas agências credenciadas do banco Itaú, só não dizia quais eram as agências credenciadas. Entrei em algumas no centro, nada. O bancário até torcia a napa com a pergunta –nunca ouvi falar nisso- quase dizia com a testa franzida e a expressão assustada. Fui a uma lanhouse(de onde será que vem esse LAN de lanhouse?) entrei no site e percebi que havia alguns outros pontos de venda, e tinham até endereços! Escolhi um endereço no Maracanã(compraria depois que saísse da UERJ). Cheguei no posto credenciado: uma papelaria. Entrei. Tem bilhete único? Não. Não vale a pena trabalhar com isso não, meu filho, eles fazem uma porção de exigências. Criam muitas dificuldades e demoram a pagar: excesso de burocracia. Respondeu a senhora de sorriso doce sentada ao balcão. Mas o site ainda indicava essa loja como ponto de venda. Há dois meses que liguei e pedi para tirarem, pelo visto não tiraram. Despedi-me da doce senhora.

No outro dia fui até a Central do Brasil disposto a só sair de lá de posse do Bilhete Único, a glória do trabalhador pendular suburbano que perde uma vida pegando dois ônibus, pagando dois micos. Pelo site soube que era necessário identidade e CPF para a aquisição do benefício. Achei a fila da compra do Bilhete Único. Fila enorme em torno de um quiosque. De dentro do cercadinho dois jovens funcionários atendiam calmamente. Conversavam e sorriam, estavam felizes –aliás, é imprescindível que o trabalhador se divirta em seu trabalho- mas a fila não andava. A mocinha deixou de atender e saiu. Putz, só um agora atendendo. Ainda tinha um outro funcionário dentro da casinha que usava a internet. Volta e meia achava algo interessante na rede e mostrava a tela ao amigo que trabalhava calmamente concentrado. A mocinha levou uns 15 minutos no banheiro. A fila andou um pouquinho. -O trabalhador não tem tempo para comprar o Bilhete Único! Alguém gritou e abandonou a fila. Alegria de pobre dura pouco… Bom, menos um na fila.

Demorou pouco mais de uma hora e chegou a minha vez –a gente fica até emocionado- e quando eu ia… Na minha frente surgiu uma velhinha e claro, teve a devida prioridade. Mas a velha procurava, procurava e não encontrava o CPF perdido em algum rincão de sua bolsa. Tudo que tirava da bagagem era exposto em cima do balcão de atendimento: pintura de unha, papel higiênico,garrafa de bebida, guarda chuva, papéis amassados. Depois de 5 minutos de busca ao documento na bolsa da vovó, me dirigi à atendente. Pode ir agilizando o meu processo enquanto ela não encontra o documento. A máquina não me olhou. Permaneceu imóvel com o olhar vago fixamente na velhinha a catar o documento na bolsa por mais 5 minutos. A atendente então, tomou uma decisão, chamando o próximo da fila-era eu. Pediu que a velhinha caçasse o CPF no balcão ao lado. Minha vez! Boa decisão a sua –disse a ela. Acho que a máquina não ouviu, mas falou: -CPF. Na mão, toma. Escreve, digita, digita, confere o documento, copia e cola. Espera. Espera. Espera. R$ 4,50 –disse a máquina. Paguei com uma nota de R$ 10. Não tinha troco. Tentei usar da tática dela ficando calado apenas a observá-la nos olhos –esperava que ela resolvesse o problema do troco. Ela, impassível, olhava para mim, olhava para a fila. Quebrei o silêncio perturbador com a pergunta: Você não vai providenciar meu troco? E ela: eu não posso sair daqui, minha função é trabalhar aqui dentro somente, e cumpro ordens. Será que o senhor poderia trocar o dinheiro em algum lugar?

Fazer o que? O interessado no “pegue dois e pague um” era eu né? Fui eu comprar um suco para trocar a nota de dez. Voltei lá e finalmente consegui, agora tinha a salvação do cidadão que quer ir e vir pela cidade grande! Mas fui informado que ainda teria que ir a um outro local no sub-solo da Central para carregar o bicho, ali somente se adquiria o cartão, os créditos eram outro departamento. Lá fui eu. Nova fila. Essa, mais rápida, só 40 minutinhos. Minha vez. Põe R$ 9,80 pra mim(era o que me restava na carteira). Não posso, o sistema só aceita a partir de 10 reais. Novo impasse. Um passageiro percebeu o dilema e ajudou a desemperrar a fila presa oferecendo os 20 centavos que faltavam. Missão cumprida. Cheguei na Central as 3hs e já eram quase 5 da tarde(será que o trabalhador dispõe desse tempo?).  Valeu a pena, no dia seguinte estrearia meu Bilhete na ida da Ilha do Governador para a UERJ.

Peguei o primeiro ônibus na Ilha, passei logo na roleta com o meu novo cartão. Essa condução me levaria até a prefeitura, onde completaria a baldeação para a faculdade pagando uma só passagem, quanta economia! Saída da Ilha engarrafada, normal. Normal nada, dessa vez tinha um acidente na subida da Linha Vermelha. Carros parados um tempão formavam uma imensa jibóia de metal em repouso. Eu, em movimento angustiado por dentro, percebi que chegaria atrasado novamente na aula. Haja meditação! Chegando na Leopoldina, leventei-me. Não sabia ao certo quanto tempo o trânsito me detivera em refém, mas ao passar o Bilhete Único na roleta da segunda condução, mais R$2,40 foi subtraído do meu cartão. Pois é, mais de duas horas se passaram entre um e outro ônibus, e o benefício não contempla isso. Que frustração!  

Agora, malandreado na situação, adentra ao coletivo o cidadão mas não passa na roleta ainda, fica apertado naquele curralzinho entre a catraca e a porta da frente. Só passa na última hora, para não invalidar o cartão. Hoje fui novamente na Central para recarregar meu Bilhete Único mas o guichê estava de portas trancadas. Nenhum funcionário. Nenhum aviso por escrito. Nenhuma explicação. Perguntei ao trabalhador que administra a entrada do banheiro se sabia de alguma coisa. Está fechado, pegou fogo, teve incêndio –ele disse. Seria ato terrorista de um descontente usuário fundamentalista? Falar no celular e dirigir dá multa, mas o motorista de ônibus dirige ao mesmo tempo em que recebe o dinheiro e faz o troco. E quem vem de Pedra de Guaratiba ou de Campo Grande, se beneficia? A quem interessa essa política? Como enfrentar cartéis? Parece que vão continuar tentando tirar vantagem, e o povo fica mais honesto só de sacanagem!

dudu pererê – poeta e cientista social