Quinta 02/06/11 foi exibido publicamente no Circo Voador, “Cortina de Fumaça”, filme de Rodrigo Mac Niven. Tema do documentário: política proibicionista do uso de drogas. Esse assunto vem ganhando espaço na sociedade e gerando reações adversas. Ao mesmo tempo que percebemos um esforço do judiciário em “aliviar” a pena do usuário de drogas, assistimos a PM espancar os manifestantes na Marcha da Maconha em São Paulo. O Circo já estava lotado meia hora antes aguardando o espetáculo. O filme é excelente! Informação e beleza em equilíbrio sóbrio. Após a exibição, um debate seguiu a programação. Numa mesa posicionada no chão da pista do Circo Voador, os debatedores sentaram-se de frente para a ruidosa massa pública.
O delegado Orlando Zaccone -sempre trazendo novidade a essa discussão- começou explicando que faz parte de um movimento internacional cujo nome(traduzido) é “Homens da lei contra a lei”, justificando que todo cidadão deve contestar uma lei injusta e inapropriada, ainda mais quem trabalha aplicando-as, que é o caso dele. Esclareceu que quem financia o tráfico não é o usuário, é a política de criminalização da miséria, dirigida a prender o vendedor varejista. O último elo da cadeia. O desorganizado de um crime muito bem instituído e organizado. No contrabando, o camelô. No tráfico de drogas, o vapor. De um “negócio” que move sabe-se lá quantos bilhões, quanto um traficante de favela deve ter debaixo do colchão em sua mansão subterrânea?
Enquanto isso a população carcerária abarrota-se de traficantes perigosos: um bando de craqueiros que vendem uma pedra pra fumar outra. Depois, Zaccone deu o alerta: “Cuidado com o Canto das Sereias da descriminalização. O que hoje se oferece como alternativa ao usuário é deixar de trata-lo como criminoso e passar a trata-lo como doente, e o controle da medicina também pode ser perigoso.” Terminou declarando que acredita na regulamentação do uso das drogas em geral.
Carlos Minc também estava lá dando a cara a tapa no debate. Reforçou a característica estigmatizante que permeia a discussão sobre as drogas, exemplificando que nos encontros nacionais GLSBT que freqüenta, vê alguns colegas de cargos da administração pública, mas na Marcha da Maconha não. Só ele. As pessoas têm vergonha até de dizer o nome da planta. Depois veio o momento das perguntas feitas pelo público. As perguntas nem sempre eram perguntas. O primeiro fez convite aos participantes da mesa. A segunda fez propaganda. O terceiro também não perguntou, mas trouxe uma mensagem importante: não se trata de travar uma guerra entre Inovadores e Conservadores(que ele chamou de doidões e caretas), mas trazer todos para a discussão respeitando as posições e enriquecendo a argumentação.
A entrada ao Circo Voador foi mesmo liberada, não teve nome na porta por email, nem nada. Portões abertos para quem quisesse entrar. Os debatedores elogiaram a coragem da administração pela abordagem do assunto controverso e estigmatizado. Durante o filme a galera vibrava nas arquibancadas. Um artista naturista, um louco peladão, levantou-se aos gritos: -Hipócritas! Hipócritas!, apontando a tela do filme. Dava seu exemplo de liberdade plena. Alguns aplaudiram. A patricinha do meu lado resmungou: -E esses idiotas ainda aplaudem!
Pensei, é mesmo muito difícil lidar com a liberdade. Primeiro porque é um assunto que diz respeito ao íntimo do indivíduo; e depois porque é fácil confundir liberdade com egoísmo. Isso ocorre quando a liberdade toma a forma de fazer o que quiser, sem calcular consequências. Esse é um desvio cultural. Em sociedade é imprescindível que as atitudes individuais sejam negociadas. A troca é fundamental. É desse desvio -causado por uma cultura que malha o Ego na Academia- que os moralistas conservadores morrem de medo. É isso que causa receio a todos nós. Tememos a nós mesmos e ao que somos capazes de fazer com a nossa liberdade. Esse é um paradoxo crucial que deve ser levado em consideração. E em democracia, liberdade é o equilíbrio nessa contradição.
duduperere
poeta e cientista social