A tecnologia proporciona maravilhas. O mundo nunca pareceu tão pequeno, o conhecimento nunca esteve tão próximo, sonhar com lugares distantes e realidades distintas nunca foi tão possível. Por outro lado, o mundo nunca pareceu tão absorto em si mesmo, as impressões nunca foram tão difusas, viver a realidade nunca pareceu algo tão apartado do que, de fato, é. A desinformação é a característica mais radical da Era da Viralização – afinal, a Era da Informação está morta. O sonho da democracia digital virou um pesadelo cheio de kkkkk e gifs piscantes.
A internet e as redes sociais vivem, mais que nunca, um período de disseminação de boatos que agora toma proporções inacreditáveis, irresolutas, incomensuráveis. As correntes de e-mail e seus ameaçadores “Repasse para não morrer em 7 dias” são nada diante do que acontece em escala global. A eleição de Donald Trump nos EUA, marcada pela difusão dos chamados hoax contra a adversária Hillary Clinton, foi um destes momentos cruciais. A derrocada do PT e o crescimento de movimentos bastardos de direita, como o MLB, é filha da soma de manipulação midiática e esquizofrenia troll – a hashtag #LulaPresoAmanhã já é motivo de galhofa. Vimos isto também na última campanha para a Prefeitura do Rio, com ataques e divulgação de mentiras de ambos os candidatos.
Em menor proporção, todos os dias aparecem no WhatsApp novos golpes de gatunos e demais informações inverídicas sobre a criminalidade no Rio, que só pioram a sensação de insegurança na cidade. Isto aconteceu com as muitas informações sobre supostos múltiplos conflitos armados no último final de semana, que pipocaram nas redes após os trágicos acontecimentos da Cidade de Deus.
Neste momento de rompimento com a lógica, o Dicionário Oxford, um dos principais da língua inglesa, elegeu post-truth (“pós-verdade”) como a palavra do ano. Segundo a publicação, o termo se refere a algo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Isso significa que compartilhamos aquilo que gostaríamos de acreditar que fosse verdade, muito embora não necessariamente o seja. A verdade é opcional e a ignorância também.
Em um mundo belo e inspirador, poderia-se dizer que nunca foi tão fácil fazer jornalismo. Na era dourada do acesso quase irrestrito à tecnologia, que possibilita que cada cidadão possa assumir a persona ética de eu-repórter, deveria ser incrível que todo mundo pudesse tomar o poder da mídia tradicional na hora de compartilhar suas próprias vivências. Tentamos fazer um pouco disso aqui na Agência de Notícias das Favelas, inclusive, trabalhando com pessoas que não necessariamente possuem formação acadêmica na produção de notícias, mas que têm boas histórias para contar e muita vontade de jogar luz sobre as suas comunidades. Nesta perspectiva, a verdade de cada um se soma a um todo e pode ser a voz da oposição às mentiras repetidas mil vezes que, infelizmente, tantas vezes se tornam verdade na grande mídia.
Mas no mundo real e cinza da contemporaneidade, nunca foi também tão difícil fazer jornalismo. Facebook, Twitter e outras redes sociais cada vez mais deixam a posição de vanguarda da notícia, com um feed quase afetivo em que compartilhamos gostos e interesses em comum com outras pessoas que admiramos de alguma maneira, para se tornarem um pântano de desinformação. A imensidão de informação inútil traduzida em hashtags, humor e arte gráfica de gosto duvidoso compete em pé de igualdade com fatos (ao menos, em teoria) investigados por profissionais preparados para fazer as perguntas certas às pessoas certas – esta deveria ser a tarefa dos jornalistas, ao menos.
Não se lê nada, não se absorve nada. O mar de cacofonia das redes sociais tem a profundidade de uma maré baixa, e se entrarmos no mérito das caixas de comentários, a marolinha vira tsunami de lama. Supostamente, pessoas com menor escolaridade podem vir a ter mais chances de acreditar em argumentos infundados característicos dos boatos de internet, mas muita gente dita inteligente e versada também comete deslizes ao compartilhar textos que sequer foram lidos. As chamadas atraentes substituem todo e qualquer conteúdo – atraente, ao menos, segundo o seu próprio ponto de vista de verdade, história e vida real. Este também é um dos grandes dilemas da circulação de informação nas redes sociais: quando foi que deixamos de ser leitores para nos tornar meros curtidores?
A curtida é o pastiche do consumo. O que importa é ser líder de audiência. E a verdade, na era do pós-tudo, nada mais é que uma paródia dela mesma – um meme, talvez?
Só não vale responder com “Isso é muito Black Mirror”.