Na semana passada, estive em São Luís, capital do Maranhão, para participar de um festival na cidade também conhecida como a Ilha do Amor. O Festival BR 135 / Conecta Musical é um grande evento multicultural que tem como objetivo principal fomentar a cultura e formar plateia para a música autoral produzida no estado, além de ocupar o Centro Histórico da cidade utilizando não só música, mas também outras linguagens artísticas.
O festival é dividido em duas partes. Tem o BR 135, que trata unicamente da parte musical, e o Conecta Musical, que toca a parte dos debates, oficinas, filmes e mercado musical. Isso mobiliza toda a cena cultural local. A rica cultura popular do Maranhão, junto a essa nova cena, é uma combinação perfeita para o sucesso do festival que, além de contratar 16 bandas locais, levou para lá grandes atrações da música brasileira, como Nação Zumbi, Di Melo, a rainha do Dancehall e Raggamuffin nacional Lei Di Dai, o duo paraense explosivo Strobo e o furacão Liniker. Grandes expressões da cultura popular local também se apresentaram no evento, como o Boi de Santa Fé, que abriu o festival, o Tambor de Crioula de Mestre Felipe, a Orquestra de Berimbau Mandingueiros do Amanhã e as bandas independentes locais O Vórtice, Royal Dogs, Bruno Batista e uma jovem cantora de 20 anos chamada Núbia. O Brasil precisa conhecer esse talento.
Como essas atrações eram noturnas, aproveitava os dias para dar uma volta por São Luís e conversar com as pessoas. Um fato que me deixou bem impressionado com a cidade é a grande mobilização popular contra o governo Temer e essa série de medidas antipopulares que querem retirar os poucos direitos que adquirimos nos últimos anos. Proporcionalmente, em termos demográficos, afirmo sem medo de errar que o povo e o público jovem de São Luís é mais “Fora Temer” que o povo do Rio de Janeiro. Nos shows entre uma atração e outra, um coro era formado espontaneamente e, entre uma atração e outra, voltava a ser o grito mais ouvido. A resistência não se resume só a isso, porém. As universidades federal (UFMA) e estadual (UEMA), assim como diversas escolas de secundaristas, também estão ocupadas em protesto contra as PECs que o governo quer aprovar, entre elas, a PEC 55 e o programa Escola Sem Partido.
São Luís tem muitas semelhanças com o Rio de Janeiro. É uma cidade com vida noturna bem rica e diversa. As pessoas, principalmente os jovens, curtem suas noites nos principais points da cidade. No final de semana passado, o grande local de encontro dessa galera foi o Festival BR 135 / Conecta Musical. Em certos momentos, parecia que estava na Lapa, tamanha a semelhança: um grande número de ambulantes (principalmente negros e mulheres), muitos moradores de rua e muita polícia também. O que mais me chamou a atenção foi o grandes número de casais LGBTs, que se beijavam e andavam de mãos dadas sem serem incomodados por ninguém. Acho que esse é um dos motivos do apelido local de Ilha do Amor.
Mas, infelizmente, São Luís não é só festa. O estado do Maranhão tem o segundo pior IDH do país, apesar do ensino público do estado estar na frente no índice de educação. A criminalidade também é um grande problema na cidade. O número de favelas triplicou nos últimos dez anos e com isso a cidade viu o surgimento de duas facções criminosas: o PCM – Primeiro Comando do Maranhão e o Bonde dos 40, que é uma alusão ao fato de que a quadrilha tem como arma principal a pistola .40. Elas se enfrentam pelo controle do tráfico de drogas em várias regiões do estado. O Centro Histórico também não é um local com boa fama. Apesar de não ter presenciado nenhum incidente nos dias que passei por lá, pelo menos, umas três vezes, fui alertado por moradores para evitar certas ruas a noite.
Outro fator preocupante são a especulação imobiliária e a gentrificação. Áreas perto da orla, que eram ocupadas por moradias populares, foram invadidas por empreiteiras e imobiliárias. No sábado, dei uma volta de carro por lá e fiquei impressionado com o número de terrenos que tiveram pessoas removidas para construções de futuros prédios de classe média alta. Um lugar que me chamou muita atenção foi Ponta D’Areia, bairro que fica na beira da praia e que tem muitos prédios novos. Ali viviam centenas de famílias menos favorecidas, que sobreviviam do comércio local e atividades culturais. Clubes e casas noturnas de pequeno porte realizavam diversos eventos, principalmente de reggae. Com a chegada da especulação, muitos proprietários venderam seus terrenos e casas por bem pouco e foram morar em comunidades mais afastadas.
Quase ao lado dos novos imóveis está uma favela chamada Ilhinha, um símbolo de resistência que lembra muito a nossa Vila Autódromo. Não resisti e pedi ao meu amigo que me levasse lá para conhecer. Favela não é diferente uma da outra, independente do estado. Negras e mestiços em sua maioria esmagadora, biroscas, pessoas andando pra lá e pra cá, carregando material de obra para reformar suas casas e, claro, igrejas evangélicas – apesar de sentir menos a presença delas do que aqui no Rio. Prova disso é a cultura popular, que se mantém viva com o Boi, o Cacuriá e, principalmente, o Tambor de Crioula. Lá, os negros protagonizam esses movimentos. Eu, que adoro e acompanho apresentações de cultura popular aqui na Cidade Maravilhosa, devo confessar que fiquei muito feliz em ver aquelas senhoras pretas dançando para os batuqueiros do Tambor de Criola, ao contrário daqui, em que essas rodas são formadas em sua maioria por jovens brancas da Zona Sul – não que eu tenha alguma coisa contra, mas é só um fato que observei.
O Maranhão tem uma das maiores populações de negros e mestiços do país. E isso por si só é um grande motivo de orgulho para esse povo tão humilde, bonito e acolhedor.
Parabéns aos realizadores do Festival BR 135 / Conecta Musical, Luciana Simões e Alê Muniz! Que mais festivais como esse se espalhem pelo Brasil!