Hoje acordei triste. O dia mal começou e já ouvi gritos e pedidos de socorro. Os estampidos de tiros e o cair das cápsulas ao chão me fizeram saber que este não seria um dia normal, se é que teremos algum dia normal por aqui no Alemão.
O clamor estridente veio de familiares que gritavam por socorro ao ver a sua matriarca caída ao chão com a cabeça esfacelada por um tiro de fuzil, um tiro que teve o patrocínio de quem promove essa guerra insana e descabida segundo a prerrogativa de se tratar de uma “guerra às drogas”. Que mentira! Armas de grosso calibre, pessoas despreparadas, sem saber ao menos manejar essas potentes maquinas bélicas de alto poder destrutivo… Uma tremenda covardia!
Este é um fato que aconteceu ontem, dia 05 de dezembro, no Alemāo. As drogas têm sido o fator determinante para a eclosão de toda essa loucura. É isso que tem disseminado na mídia, é isso que é alarmado em toda a sociedade. Os factoides panfletistas, municiados por financiadores do caos apocalíptico, aplaudem de pé esse militarismo fascista e eugenista, no qual o pobre tem que morrer, que prega que as drogas aqui comercializadas trazem o demônio dentro delas, que são frutos proibidos e que ferem a moral e os bons costumes – fumar um cigarro de maconha na Favela não pode, é crime, e ainda por cima organizado.
Na minha mais profunda ignorância, enxergo que há quem esteja por trás disso tudo, orquestrando com uma batuta as leis e as regras de conduta de como se dá esse processo. Sou até capaz de dizer que há gente lucrando muito alto com essa guerra toda e culpando as drogas. É inacreditável o quanto se gasta com munições, como é possível haver tantas armas de ambos os lados no meio de uma população indefesa e que não possui meios para se proteger no meio desses intensos confrontos diários. Aqui, corpos são dilacerados; uma bala atravessa a cabeça de um garoto de 10 anos a 1m de distância e o carrasco que o matou ainda pode ser absolvido. Como não se indignar que, no meio de tantas moradias, num aglomerado de barracos de alvenaria, um tiro seja disparado e esse mesmo disparo ultrapasse várias paredes frágeis e só pare ao alcançar o corpo de um ser humano? Isso é simplesmente insano, sem lógica alguma. E qual é a finalidade? Segundo dizem os que pregam essa ideologia: “Estamos combatendo o tráfico ilegal de drogas”. E muitos acreditam nisso.
Pessoas estão morrendo, pessoas estão ficando doentes a níveis catastróficos, há crianças com síndrome do pânico, terror sendo instalados nas favelas, militarização a cifras milionárias, indústria bélica abocanhando muito dinheiro: tudo isso em nome do combate às drogas. O mais incrível disso tudo é a aprovação da sociedade de um modo geral, que valida tudo isso sentada em suas confortáveis poltronas, conectada aos noticiários para dar audiência aos que lucram com as mazelas geradas através das noticias fúnebres que esse mercado gera. É tudo louco demais para entendermos, foge à compreensão.
O mais intrigante dessa guerra declarada às drogas é que ela só existe nas favelas, periferias e guetos. Um exemplo da seletividade dessa guerra está neste clássico exemplo: se um garoto ou mesmo jovem for pego na favela fumando um baseado, ele vai preso ou leva uns tapas na cara, é obrigado a engolir o mesmo e passa a ser enquadrado traficante – quando não é morto. Agora, basta dar uns passos logo ali no Leme, Copa, Ipanema e Leblon. Vários jovens fumam cannabis ao luar, ao som das ondas do mar, ouvindo música e ainda tem a segurança pública para cuidar deles. Mas por que lá pode e aqui na favela não?
Devemos começar a rever a forma como o Estado diz estar combatendo o tráfico de drogas e sentar na mesa de negociações trazendo o olhar de que está é uma realidade que cabe mais à Saúde Pública do que à Segurança.
Chegou a hora de olhar para dentro das pessoas e ver que elas têm necessidades. Assim como se consome álcool e cigarro livremente por um vício, assim também é quem fuma um cigarro de maconha ou outro entorpecente qualquer. As pessoas têm o livre arbítrio de fazer o que quiserem. O que não pode é continuar havendo a morte de inocentes por conta dos vícios alheios. É preciso parar a criminalização das drogas e partir para outro patamar, o da regulamentação. Tenho plena convicção: as pessoas não vão parar de usar drogas. Elas estão aí nas nossas portas, nas escolas, nas universidades, nas residências, nos meios artísticos e políticos, reinando soberanamente e até ajudando aos mais vis corruptos a tomarem decisões importante sobre nós. Elas circulam nos tribunais mais diversos e são donas de vidas: tudo isso porque reinam na clandestinidade, nas caladas ocultas da impunidade. Quando isso mudar, elas perderão esse sabor e curiosidade.