Cultura não se rebaixa!

Créditos: Marcus Galiña / ANF

Gostaria de comemorar. Mas acho que não é para tanto. Não se trata, talvez, de uma vitória, mas de uma não-derrota, o que, nestes tempos sinistros, poderia exigir algum grau de exaltação. Pois bem, então comemoremos a coisa certa: a capacidade de luta, mobilização e enfrentamento dos trabalhadores da cultura e dos artistas.

O fato é que, assim como impedimos o governo Temer de extinguir o Ministério da Cultura através de ocupações por todo o Brasil (incluindo o já histórico Ocupa Minc RJ, no Palácio Capanema, e, posteriormente, no Canecão), conseguimos nesta semana também impedir o fim da Secretaria Estadual de Cultura pelo falido governo Pezão.

Foi uma ação conjunta de diversas associações culturais da cidade, uma espécie de confederação de coletivos que se autodenominou “Movimentos pela Cultura” e que reúne Ocupa MinC RJ, Reage Artista, Teatro pela Democracia, Diálogo em Circo, Arte Pública e Fórum Permanente de Dança RJ. O Conselho Estadual de Cultura também exerceu forte pressão e mobilizou agentes culturais de outros municípios.

No dia 24 de novembro, realizamos uma audiência pública em pleno Theatro Municipal, com a presença de mais de 450 pessoas. Cinco deputados estaduais estavam presentes e passaram a manhã e início da tarde ouvindo os artistas e fazedores de cultura que se revezavam naquele imponente palco para alardear o absurdo da extinção (na verdade, uma fusão com a Secretaria de Ciência e Tecnologia), propagar o poder da arte na sociedade e frisar o quanto a cultura é imprescindível, principalmente em tempos como os nossos, de aguda crise civilizacional. Como disse o mestre Amir Haddad, é como se estivessem, no momento grave da doença, jogando fora o remédio.

Nesta audiência, ficou decidido que os deputados apresentariam um “decreto que anularia a parte do pacote” que extinguiria a Secretaria, assim como fizeram com o Aluguel Social. Para o decreto ser aprovado, seria necessário o apoio de 36 deputados. Além da mobilização das ruas e das redes, precisávamos agora pressionar suas excelências, circular os gabinetes em busca de apoio. E assim foi feito: organizamos um grupo e lá fomos nós em direção à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) na semana passada.

A Alerj e as ruas de acesso a ela estavam bloqueadas, fechadas por grades, vigiadas por dezenas de policiais das mais variadas fardas: postados a frente, agrupados, decorativos; postados nas laterais, controlando entradas; postados ao fundo, controlando acesso. Vimos carros-patrulha e blazers de um preto fosco, além de grades, bloqueios, interditadas calçadas. A Casa do Povo hoje mais parece uma Prisão de Segurança Média Improvisada. Mais um bizarro espetáculo.

Mas conseguimos, enquanto movimentos e conselho, entrar e circular gabinetes, gravar vídeos de apoio, dar o recado para nossos representantes de todas as matizes ideológicas. A pressão tinha que seguir. Pela nossa contagem, ainda faltavam alguns votos. Organizamos então um ato político-artístico-cultural para o dia 7 de dezembro, nas escadarias do Theatro Municipal, na Cinelândia. Puxamos uma reunião de articulação, mobilizamos artistas, montamos uma programação, criamos faixas e flyers e lançamos o evento no Facebook.

Na véspera, 6 de dezembro, recebemos a notícia: Pezão recuou, a Secretaria de Cultura permanece. Vitória ou não-derrota? O fato é que conseguimos impedir mais um absurdo. Mas mantivemos o Ato. Inclusive porque não basta ter uma Secretaria, é preciso que a Secretaria seja efetiva, desenvolva boas políticas públicas e abra espaço para participação dos movimentos culturais em suas formulações.

 

Créditos: Marcus Galiña / ANF
Créditos: Marcus Galiña / ANF

 

E foi bonito. Fizemos da Escadaria do Municipal um palco durante toda a tarde. Poetas verborrágicos ecoaram seus versos sobre a Cinelândia, a beleza e pureza das crianças bailarinas do Ballet Manguinhos, a Cia de Dança de Niterói, a galera do Circo, músicos, cordelistas, só beleza e força poética para a eterna luta. Realizamos também um importante debate no FaceRua, nossa ágora. Uns defenderam o conselho, outros atacaram. Uns defenderam a Secretaria, outros atacaram. Mas o debate foi rico e construtivo. Precisamos é disso. Mais ágoras, mais diálogo, mais entendimento em meio a necessários dissensos.

No início da campanha, o Conselho Estadual lançou a hashtag #FicaSEC e os movimentos, para demarcar uma outra narrativa, lançaram a hashtag #aSECéNOSSA, para frisar que nossa reivindicação principal é: fica, mas precisa melhorar! Agora, a Secretaria Estadual de Cultura ficou. E nossa luta segue, porque não basta existir, tem que impactar, tem que ser republicana, democrática e aberta à participação. Não dá pra buscar diálogo com movimentos apenas na hora urgente da autopreservação. Melhora, SEC!