É assustador o que vem acontecendo no Brasil. Temos presenciado cenas exageradamente insólitas. Nem os autores mais sagazes de “Black Mirror” e “House of Cards” seriam capazes de criar um enredo tão inusitado. A cada surrealismo, os repórteres se esforçam para dizer que se trata do realismo mais natural do mundo. A nosso favor, apenas um fato: o fenômeno é mundial. O patético Donald Trump está lá, no comando da decadente superpotência – eleito – e não nos deixa mentir.
Um juiz do Supremo Tribunal Federal morre, às vésperas da divulgação de mais um graúdo escândalo tipo terremoto-no-planalto, e em circunstâncias mais do que suspeitas…. E qual é o comportamento do jornalismo da grande mídia? A morte é imediatamente naturalizada, a suspeita é mínima, coisa talvez de um filho assustado, que já pensa outra coisa, talvez, quem sabe… Suspeitar é coisa destes loucos viciados em teorias da conspiração. Imaginemos que, às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, o avião com o Moro tivesse caído. Qual seria a postura da Imprensa? Seria essa coisa molenga, apática, horrorosa, passiva, cúmplice? Ou estariam bradando por investigação?
O que não percebem é que as instituições têm um nome, e este nome é um conceito, um acordo de comportamento, postura, compromisso. E quando tudo isso vai por água abaixo de forma tão escancarada, o resultado é esse imenso mal-estar, essa doença psicossocial sem nome que vai atingindo, de diferentes formas, cada um de nós. Uma peste. Uma epidemia de rancor, pensamento distorcido e ódio.
Uma república não resiste a tamanha desfaçatez. Que tristes caricaturas de si mesmo viraram instituições imprescindíveis como polícia, Congresso, imprensa, Judiciário, sistema prisional. As instituições enlouqueceram. Alguém leva a sério a grande mídia atualmente? Sim. Milhões de pessoas ainda acham que ali se pratica algo semelhante a jornalismo. Mas a manipulação é explícita, como uma criança pequena que, brincando de pique-esconde, tapa os olhos e acredita que não está sendo vista.
E o espetáculo bizarro do impeachment? Alguém ainda acredita que aquilo teve algo a ver com Justiça e Combate à Corrupção? Foi justamente o oposto. É incrível que Romero Jucá não tenha caído de vez na divulgação de sua famosa conversa. Deram ali uma pequena resposta, saiu do cargo… Mas já está o homem lá – o flagrado – no coração-articulador da República. A máfia, essa singular máfia cujo cassino é o orçamento público, essa máfia articulada, sócia oculta de todas as empreiteiras… Essa máfia profunda, quase ancestral, renovada por pulhas carreiristas, cafonas, deslumbrados… Essa máfia… nos governa. Que tarja-preta é recomendada após esta constatação?
O fascismo aposta tudo na comunicação e nada no diálogo. O contraditório é engolido ou estigmatizado, de forma intensa, violenta – verbal ou fisicamente. O fascismo é o oposto da república. Na república, tudo deve ser dito, todos devem ser ouvidos, tudo deve ser dialogado e pactuado coletivamente. As instituições devem ter compromisso e postura. No fascismo, comunicação e repressão são habilmente manipulados. Na assustadora vertente que meio nos assola, meio nos ameaça, o fascismo segue sendo chamado de democracia.
Tem um juiz do Supremo que se comporta feito um PM descontrolado e abusivo, e fica por isso mesmo. Outra figura máxima da Justiça diz, na maior cara lavada, que vai “erradicar” a maconha. Um prefeito almofadinha atira tinta cinza sobre obras de arte urbana.
Minha leitura histórica do impeachment é essa: foi golpe. Um golpe claro que se auto-desmascara a cada dia. Uma página vergonhosa da nossa trajetória. E foi a partir dele que seguimos ladeira abaixo, determinados rumo ao abismo.
Os cidadãos livres são os presos mais apáticos do país. Não se rebelam por nada. “Mas fica aqui o convite: vamos nos rebelar! Só a insurgência nos trará a transformação!