A Agência de Notícias das Favelas sempre partiu do pressuposto de que os problemas dos moradores das favelas e das comunidades carentes são problemas de toda a sociedade. Um destes problemas diz respeito à ocupação de áreas de risco. Ainda que, sob esta alegação, comunidades inteiras sofram ameaças de remoção, mesmo que não corram riscos imediatos, acontecimentos recentes nos mostram que catástrofes naturais não escolhem necessariamente as áreas que os engenheiros consideram “de risco”. O que aconteceu na região serrana, no começo deste ano, quando áreas consideradas seguras foram arrastadas pela enxurrada, é a maior prova desta afirmação. Ora, se mesmo as áreas que não são consideradas de risco estão sujeitas à catástrofes e as próprias catástrofes são imprevisíveis, o que a população deve fazer para evitar o pior? A resposta é simples: preparar-se.
Neste espírito, no dia 3 de julho de 2011, junto a 800 agentes da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros, voluntários e moradores de 20 favelas do Rio de Janeiro participaram de uma simulação de evacuação emergencial de áreas ameaçadas. O objetivo deste simulado é minimizar, por meio de exercícios constantes e do trabalho conjunto da sociedade e dos órgãos públicos, os efeitos decorrentes de desastres naturais inevitáveis. Nestas circunstâncias, quando o caos se instala, a prioridade inicial é garantir as comunicações e a livre circulação das equipes de resgate. Em outros termos, trata-se de suprir o quanto antes a necessidade de comunicação e de locomoção. Esta tarefa, no entanto, não é tão simples. Em uma região repleta de morros, encostas, serras, rios e lagoas fica muito difícil qualquer tipo de locomoção em situações extremas, como em enchentes e desabamentos, por exemplo. Apenas pessoas com treinamento e equipamentos apropriados conseguem transitar com segurança nestas ocasiões.
A comunicação, por outro lado, que, aliada à tecnologia, deveria em princípio estar menos sujeita à interrupções do que a locomoção, também encontra muita dificuldade em situações de calamidade. Isso ocorre por várias razões. A principal delas diz respeito ao próprio estatuto das telecomunicações em nosso país. Praticamente todas as soluções para intercomunicação pessoal que surgiram nas últimas décadas são controladas por empresas privadas, muitas das quais de capital eminentemente estrangeiro. Até mesmo os órgãos públicos se utilizam largamente das soluções oferecidas por estas empresas. Em vista da importância estratégica das telecomunicações e também dos altos preços cobrados por estas empresas, o mínimo que poderíamos esperar é que elas estejam preparadas para emergências, possuindo sistemas redundantes e equipes preparadas para restabelecer as comunicações em caso de emergência. Infelizmente, nem sempre isso ocorre. Na tragédia do início do ano, a maioria das formas de telecomunicações, como telefonia fixa, celular e nextel saíram do ar. As empresas não possuíam sistemas redundantes e demoraram dias para restabelecer as comunicações, deixando assim a população e as próprias forças públicas sem nenhum tipo de contato.
A situação só não foi pior porque a própria população entrou em ação, contando, para isso, com a ajuda de verdadeiros especialistas em telecomunicações: os radioamadores. Radioamadores são pessoas habilitadas pela ANATEL a operarem rádios transceptores em determinadas frequências. Sem esperar nada em troca, motivados apenas pelo compromisso com a população, estas pessoas colocaram seus equipamentos, habilidades e as próprias vidas à serviço do bem comum, salvando vidas, orientando, levando socorro e alento. Estas pessoas, que nem sempre são lembradas como deveriam, jamais se furtaram a oferecer ajuda quando era necessário. Na tragédia do Morro do Bumba, por exemplo, ocorrida em 2010, diversos radioamadores entraram imediatamente em ação, antes mesmo da chegada dos órgãos públicos. Veja, por exemplo, a entrevista concedida pelo professor e radioamador Márcio Araújo (PY1RJ), um dos primeiros a chegar ao local do acidente, à rádio Voz da Russia:
http://www.riodxgroup.com/system/files/PRG_%20ONDA%20DX%2013-04-2010.mp3
Vale a pena ver também a entrevista concedida pelos radioamadores Márcio Chehab (PY1MNC) e o já falecido Anibal Arijon (PY1PQ) à Rede Globo, na qual comentam a atuação dos radioamadores junto à população:
httpv://www.youtube.com/watch?v=_xU9ljKpl6c
Confira também o excelente trabalho realizado pelos radioamadores na catástrofe que se abateu sobre a região serrana, no começo do ano de 2011. Sem a ajuda destes corajosos radioamadores, a tragédia com certeza seria bem pior.
httpv://www.youtube.com/watch?v=cBRERHggdOY
Este trabalho magnífico, de real utilidade pública, continua sendo realizado pelos radioamadores de todo o país. No já mencionado exercício de evacuação realizado no dia 3 de junho de 2011, eles entraram em ação novamente. Desta vez, além dos rádios, antenas e das habilidades técnicas dos operadores, a equipe de voluntários estava também equipada com veículos off-road e pilotos especializados, capazes de suprir também a locomoção em áreas ameaçadas.
Sob coordenação do professor, radioamador e jipeiro Maurício Bueno (PU1WPI), os jipeiros do Jipenet, juntamente com o NUDEC 4×4 (Núcleo de Defesa Civil 4×4), se posicionaram com seus jipes e rádios em favelas como Formiga, Borel, Macacos e demais favelas da cidade para o exercício. Tudo isso na mais perfeita e harmoniosa integração com a população. O objetivo do grupo era suprir as duas principais necessidades que já mencionamos: comunicação e locomoção. As fotos abaixo registram a atuação do grupo:
Como conclusão, convidamos todos os leitores da Agência de Notícias das Favelas a conhecer melhor essa atividade maravilhosa que é o radioamadorismo. Após estudar a técnica e a ética operacional e se submeter a uma prova de habilitação junto à ANATEL, qualquer cidadão poderá fazer uso disto que é mais do que um mero hobbie ou um simples meio de comunicação, mas um verdadeiro estilo de vida, podendo assim não apenas auxiliar a sua comunidade, mas também usufruir de maneira autônoma e democrática de um recurso natural: as ondas eletromagnéticas.
Para mais informações, visite a página da Liga dos Amadores Brasileiros de Rádio Emissão (Labre RJ), entidade que representa os radioamadores do Rio de Janeiro.
Recomendo a leitura do texto “O radioamadorismo”, de Miguel Angelo Conceição Mederios (PU3XPG) e Cianus Luiz Colossi (PY3DU), texto este que auxiliou a elaboração do Projeto de Lei n. 1542/03.
Leia também o texto “A importância do Radioamadorismo”, de autoria de Cianus Luiz Colossi (PY3DU), Flávio Aurélio Braggion Archangelo (PY2ZX) e Miguel Angelo Conceição Mederios (PU3XPG).
Para uma visão mais abrangente do radioamadorismo e de suas diversas modalidades, vale a pena visitar a página do radioamador Márcio Araújo: http://py1rj.blogspot.com/
E aí, está esperando o que para se tornar você também um radioamador?