Você já pegou o trem de Saracuruna para a Central às 6 h da matina? Já experimentou ir para Japeri até mesmo no último trem do dia? Se você ainda não teve essa oportunidade, lhe convido a curtir esse momento uma vez ao menos na vida.
Se lhe falta calor humano, esse dia será inesquecível. O que dizer dos vendedores ambulantes? Eles conseguem se comunicar dentro dos vagões de uma maneira que as vozes se encaixam como se fosse a sinfonia de Beethoven. A gente custa a acreditar nos nossos ouvidos.
“Paçocaaaaa, bala de cocoooo, 1 reaaaal!”. Dorflex, Torcilax, R$ 5 a cartela. Agulhas de todos os tamanhos, livro mágico. Kit Kat. Tudo sendo anunciado ao mesmo tempo e todo mundo entende. Não importa a língua que você fale e embora tudo isso pareça uma bagunça, a linguagem é universal.
Mas, nessa semana, eu, que já tenho 20 anos indo e vindo do Gramacho para a Central do Brasil de trem, me peguei pensando em algo que nunca tinha parado para analisar depois de um comentário feito no Facebook de uma amiga sobre o comportamento das pessoas que utilizam a rede ferroviária como transporte.
Não importa o horário do dia, se tem poucas ou muitas pessoas: todos irão ao mesmo tempo correr em busca de um lugar. É empurra daqui, grita dali, até brigas nos vagões conseguimos encontrar nas redes sociais com pessoas que sentaram no colo de outras e começaram a disputar pelo direito do lugar. Parece cômico, porém, o mais curioso é perceber o comportamento dessas mesmas pessoas, ao pegar logo em seguida outros meios de transporte, como o metrô ou o VLT, por exemplo.
Já notou o comportamento das pessoas na rodoviária? Agora, leve essa mesma pessoa ao aeroporto. Não que você precise mudar sua maneira de ser. Mas, de verdade, não é exatamente o que acontece na maioria dos casos? Lembram quando disseram que o BRT seria uma integração ao aeroporto? As pessoas tinham uma postura totalmente diferente frente à novidade de transporte.
É curioso perceber como, às vezes, as coisas mudam em apenas uma atravessada de rua. Na postagem que comentei anteriormente, uma das pessoas chegou a levantar a questão de tal atitude ser falta de educação, mas começo a me preocupar com uma ótica diferente: a cultura da escassez!
A falta de lugar no trem ou as avarias constantes da empresa ferroviária nos fazem, mesmo quando não é necessário, continuar agindo como se aquela situação fosse automática. Isso porque presumimos já conhecer aquele território. A gente já se mantêm acostumado e se recusa, mesmo que inconscientemente, a mudar o pensamento frente tal situação.
Nós não nos damos conta de como nos acostumamos, no geral, muito mais com a escassez do que com as oportunidades recebidas. Isso é natural, pois as práticas da falta são muito mais vistas pelo nosso cérebro do que as de abundância. Eu sei que parece loucura, mas veja um exemplo.
Passei alguns anos sem internet em casa, usando apenas a rede móvel de operadoras de telefone. Essa realidade me fazia calcular quantas vezes ao dia eu poderia entrar em algumas redes ou sites como forma de reservar os dados móveis para trabalho e, apenas se sobrasse, utilizar para minhas redes pessoais. Um dia desses, me peguei fazendo o mesmo esquema. Só então percebi que não havia necessidade de manter a prática, já que eu não estava mais na escassez e poderia navegar naturalmente.
Quantas pessoas você conhece que já viveram momentos de fome e hoje, mesmo com a geladeira e despensa cheia, não conseguem se livrar do hábito de esconder comida da visita?
Essa é uma reflexão talvez complexa, mas que acredito ser extremamente necessária para nosso crescimento pessoal, principalmente se queremos alcançar lugares mais altos.
É impossível ter novas conquistas se permanecermos com os mesmos hábitos.
Um dos exercícios que tenho buscado fazer atualmente como forma de aprendizado pessoal é conhecer novos e antigos lugares com novos olhares. Não importa se o seu lugar é a favela e quantas vezes você precisou guardar para não faltar amanhã. Isso não faz de você – de nós – merecedores apenas do que é contado, do que é reduzido.
Exercite sua mente para que possa alcançar os lugares que tanto almeja. De nada adianta chegar no lugar de conquista e permanecer com o pensamento da escassez deliberada.