Todo mês de novembro é a mesma coisa. Como num passa de mágica, a sociedade brasileira se questiona sobre o racismo no país – racismo esse tão sutil e violento ao mesmo tempo. Quem nasce negro nesse país aprende desde cedo que a cor da sua pele é um erro e um defeito.
Lembro bem da primeira vez em que senti que era tratado de uma forma diferente por causa da minha cor. Como muitos negros, foi num supermercado. Tinha uns 7 ou 8 anos e, indo pra escola, fui comprar um biscoito ou algo assim. Quando estava na fila, um segurança me aborda e pede para eu abrir a mochila porque queria ver se eu não tinha roubado nada. Comecei a discutir com ele, que passou a gritar. Eu lembro de chorar. Uma senhora que estava na minha frente se virou e me reconheceu. Era uma vizinha que, ao ver a confusão, me defendeu e falou que era por causa de racismo que o segurança queria revistar minha mochila. Então, o gerente do supermercado apareceu e me pediu desculpas.
Eu não tava entendendo nada. Só bem depois fui perceber que a cor da minha pele me colocava numa situação inferiorizada. Mal sabia que situações como essa iriam se repetir por toda a minha vida. Hoje, à beira dos 50 anos, os seguranças de lojas e supermercados ainda me seguem quando entro nesses locais para se certificarem de que não vou roubar nada. Em pleno século 21, ainda tenho que fazer sinal para cinco táxis para que um aceite a corrida. Quando ando de ônibus, o último assento a ser usado é o que está ao meu lado. Ainda somos mal atendidos em restaurantes. O pior: ainda somos caçados e mortos pelo Estado.
Falar em consciência negra para os brancos é mole. Mas o que é ter uma consciência negra? Como usá-la? Porque não adianta usar turbante, dançar maracatu, bater cabeça e ser completamente alheio ao que acontece com a comunidade negra e mestiça no Brasil.
O projeto racista de dominação vai além de nos matar. Ele começa desde a nossa geração, ainda no útero da mulher negra e pobre, quando lhes é negado o direito a fazer o pré-natal numa rede pública precária e ter um acompanhamento decente. Continua com a falta de condições de saneamento básico, saúde e educação onde muitas delas vivem e onde viverão seus filhos. Todos os serviços públicos que a comunidade negra recebe do Estado são oferecidos de forma totalmente negligente.
A única ação que o Estado cumpre com eficácia é nos massacrar. E a Polícia Militar é a instituição que tem essa atribuição. O que é mais triste é ver a quantidade de policiais militares negros mortos nas mãos de bandidos também negros.
Nossa maior missão é nos manter vivos. Sim, também lutamos contra o machismo, a homofobia e todas as outra formas de preconceito, mas nossa pauta principal é nos manter vivos e sãos. Quando não nos matam, nos jogam nas cadeias ou nos abandonam à nossa própria sorte. O número de homens e mulheres e crianças negras que estão vivendo na rua é triste e assustador.
Neste Dia da Consciência Negra, não temos nada o que comemorar, mas, sim, celebrar nossa vontade e disposição de lutar sempre contra o racismo.
Valeu, Zumbi!