Os cotistas conhecem isso muito bem: o ingresso na universidade para quem faz parte da população de baixa renda proporciona o acesso a outro mundo de possibilidades até então desconhecido. O conhecimento abre portas, perspectivas e visões sobre o universo lá fora, e a troca de experiências é rica, como relatam os estudantes.
Dados do IBGE mostram que o percentual de negros no Ensino Superior deu um salto e quase dobrou em dez anos. Em 2005, dois anos após a implementação da política de cotas, apenas 5,5% dos jovens pretos ou pardos de 18 a 24 anos estavam no Ensino Superior. Em 2015, 12,8% deles ocupavam os bancos das universidades. Muitos são os primeiros membros de suas famílias a ter um diploma.
É o caso da assistente social e mestranda da UFRJ Carol Santana. Para ela, a vida é outra depois da universidade. “Tudo muda: a forma como se relaciona com a família, como compreende o que nos acontece e, acima de tudo, as nossas expectativas sobre o futuro”, conta a moradora da comunidade Andrade de Araújo, em Belford Roxo.
As diferenças sociais nos corredores, muitas vezes, são gritantes – muitos cotistas reclamam da exigência de professores para que leiam textos em uma segunda língua, o que o ensino público e a falta de recursos para investir em cursos extras jamais podem oferecer. “Dá a sensação de que não vai dar tempo para competir”, completa Carol.
As dificuldades são muitas, mas o progresso é fundamental – que o diga a designer gráfica Andrezza Francis, 23. Para a moradora do Parque União, no Complexo da Maré, se manter na faculdade não é fácil: a persistência e a colaboração dos amigos são fundamentais para que ela se mantenha por mais dois períodos na UFF. Para ela, dificilmente o esforço seria possível sem as ações afirmativas: “Acho ótimo, pois nós não conseguiríamos competir em igualdade. O estudo, a dificuldade e os olhares nas ruas não são iguais”.
O governo atual passa por uma série de avaliações quanto à redução de verbas para políticas públicas de educação, o que, de fato, reduz as possibilidades de desenvolvimento dos mais pobres. Porém, não há dúvidas de que, com as cotas, a periferia acessa as universidades pela porta da frente.
Para a também moradora da Maré Jacqueline Conceição, a vida acadêmica possui uma importante influência nos estudantes, que passam a se enxergar enquanto sujeitos:
– A faculdade possibilitou um rompimento pessoal do pensamento oficial que aprendi na escola. A universidade foi o local onde conheci o movimento negro, que, com suas narrativas, me possibilitaram entender outro Brasil, o país da ‘democracia racial’.
Publicado na edição de novembro de 2017 do Jornal A Voz da Favela.