O Rio de Janeiro é uma cidade que traz a marca da população negra. É quase impossível circular por ela e não ter contato com a cultura afrodiaspórica. Não é por acaso que sua popularidade mundial está associada ao samba, ao futebol e às belezas naturais.
Essa é uma questão que, evidentemente, deveria ser pensada e ponderada por todos aqueles e aquelas que possuem e pretendem ter cargos públicos, em especial, os governantes. O Rio de Janeiro é plural, é resistência, é negro, e toda a política pensada para a cidade precisa englobar toda essa população, sem exceção.
Quero em especial chamar a atenção para o caso do atual prefeito do município, Marcelo Crivella, que ao longo de sua campanha 2016 afirmava que faria um governo que cuidaria das pessoas. Isso significa dizer que precisaria assegurar os direitos dos cidadãos e das cidadãs.
Porém, o que temos assistido nesses 12 meses de mandato é o total descuido daqueles e daquelas de quem o prefeito disse que cuidaria. Basta observar a situação da saúde, da educação, do transporte etc. É importante dizer que isso não é culpa exclusiva de seu mandato, mas que sua linha política vem somar ao caos que já se encontrava na Prefeitura.
Ou seja, cuidado não é uma marca desse governo. Mais que isso, o prefeito Crivella vem demonstrando o seu racismo, uma vez que parte de suas medidas em cortes orçamentários – o que inviabiliza certas atividades – atingem amplamente as manifestações culturais afrodiaspórica. Foram muitos os atos racistas. Um deles foi o decreto que institui o programa Rio Ainda Mais Fácil Eventos (Riamfe), sistema digital por meio do qual a Prefeitura recebe pedidos e emite autorizações para a realização de eventos na cidade, sejam eles culturais, esportivos, políticos e mesmo religiosos – não foram poucos o casos de repressão a eventos dessa natureza.
Houve ainda o corte dos gastos com o carnaval de 2018, a perseguição das rodas de samba realizadas em praças públicas e o corte no repasse da verba para o culto à Yemanjá. A última e péssima novidade é o fim dos repasses à Casa do Jongo, o que acabou por fazer com que a organização fechasse as portas. Esses são alguns dos exemplos.
Afirmo se tratar de racismo porque suas ações atingem um grupo étnico específico, não a todos. O racismo no Brasil é considerado crime, porém, o histórico processo de negação do mesmo, somado ao mito da democracia racial, faz parecer com que todos esses atos de Crivella e outros pareçam preconceitos. Em verdade, o racismo é um conjunto de atos individuais ou coletivos que negam e exterminam manifestações culturais e, no limite, levam à morte determinados grupos étnicos.
É por isso que quando dizemos que temos que lutar contra o racismo não estamos querendo combater pré-conceitos somente. Queremos alterar por completo essa sociedade que avalia ser natural o extermínio de nossa cultura – porque nos satanizam ou sexualizam, porque acham normal que a polícia tire nossas vidas etc. Queremos ainda transformar essa estrutura de propriedade privada, que exclui toda a população que edificou esse país, que foi escravizada e tudo construiu, e acabou deixada de fora na hora de repartir o bolo. Chega desse povo que se beneficia de tudo que nossos ancestrais produziram e que, hoje, com suas canetas, quer decretar nosso fim.
Estamos vivendo em uma época em que contestamos e denunciamos todas as formas arbitrárias e autoritárias de poder. As medidas de Marcelo Crivella na Prefeitura do Rio não respeitam a diversidade cultural da cidade, e devem ser combatidas e revertidas. Precisamos tomar as rédeas da história para nossas mãos. Não queremos mais estar apartados da sociabilidade. Chega de viver às margens. Queremos ocupar e tomar o centro da política, do poder, da cultura.
Crivella e os seus – e também os demais – precisam entender que ele governa uma cidade com um quantativo enorme de negras e negros. Se não aceita essa população, que renuncie ao mandato e volte para a igreja. Como já está evidente, por vontade própria, ele não quer entender. Então, que nos juntemos e ensinemos o beabá. Queremos o nosso carnaval, as festas e atividades de terreiros de matriz africana, o samba na rua, a Casa do Jongo e tudo mais que é nosso por direito.
Se somos nós que tudo produzimos, devemos ser nós que tudo comandemos. Foram 400 anos de obediência, debaixo de açoites, e mais umas tantas décadas de alijamento da riqueza socialmente produzida. Queremos o que é nosso e tomaremos, pois a História já nos mostrou que os detentores da riqueza não abrem mão gratuitamente, mas nós já mostramos também que sabemos lutar e governar nossos quilombos. O caminho é aquilombar tudo.
Racistas não passarão.