Concluí o Ensino Médio em uma escola estadual próxima à Favela do Dique, no Gramacho, Baixada Fluminense – uma das melhores escolas públicas da região, segundo os moradores.
Compreendo que, embora já sendo um período complicado para a educação, tínhamos os melhores professores que enfatizavam o quanto todo o conteúdo que nos disponibilizavam era o mesmo que abordavam nas escolas particulares. Em nossa escola, tínhamos uma rádio, grêmio estudantil, biblioteca e um refeitório. As greves raramente aconteciam e dificilmente fragilizaram as nossas aulas.
Os educadores, em sua maioria, nos faziam diariamente visualizar o quanto tínhamos potencial para além da escola, para além do “vocês precisam terminar os estudos”. Murilo Gun ressaltou muito bem essa questão no TEDx Fortaleza, quando questiona se estudos terminam. Enquanto o assisto, me pergunto: “Terminam para quem?”. De onde vem essa “cultura de terminar os estudos” senão pra quem precisa rapidamente ter uma formação básica para trabalhar?
No último ano do ensino médio, eu, que raramente havia tirado notas menores que 9.0, me vi à beira da repetência, o que infelizmente é mais uma característica apontada nas escolas regulares de rede pública, principalmente de zonas mais pobres e/ou de territórios de confronto.
Segundo pesquisas*, a evasão escolar acontece entre estudantes de 15 a 17 anos que, na maioria das vezes, evadem por fatores de que tanto a periferia quanto os órgão de educação já estão exauridos de saber. Onde estão esses alunos?
A questão é que pouco se tem feito de efetivo para que os números diminuam, ao passo que esses mesmos estudantes retornam ao sistema de ensino pelo EJA (Educação de Jovens e Adultos), por exemplo, para tentar suprir de maneira precária e rápida uma deficiência que precisava ser analisada na fase escolar dita correta para aquela faixa etária.
Lembro exatamente como o amor pela filosofia e o interesse pela arte e questões sociais deram lugar à necessidade de me manter acordada durante as aulas. As risadas no refeitório foram substituídas pelas passadas envergonhadas no final da fila para pedir comida e levar para casa.
Quando há desmotivação, surgem alguns reflexos. Além da redução no rendimento escolar e da produtividade, há alterações de comportamento desde o humor até a flexibilidade mental para absorver conteúdo.
Em momentos de crise financeira e bloqueios emocionais, manter a resiliência é um sacrifício. Em tempos de educação precária, essas questões raramente obtêm a atenção necessária. E o resultado certamente será adultos destinados praticamente à exaustão na busca pela sobrevivência sem um olhar concentrado em si.
Se, por um lado, o sistema básico de ensino constrói o futuro do país à beira do abismo, por outro, resistimos com educadores recebendo baixos salários e trabalhando em péssimas condições, sendo diagnosticados com depressão ou a tal síndrome de esgotamento, mais conhecida como síndrome de burn-out. São os efeitos colaterais dos confrontos sociais atingindo os dois lados, mantendo um sistema injusto num país onde, ainda hoje, a educação pública não é prioridade. Como entender que se gaste mais com salários extravagantes de governantes do que com a preparação da base estrutural da sociedade?
Como lidar com dificuldades econômicas atreladas às constantes alterações de jornada de trabalho e risco à própria vida? Como não lembrar, por exemplo, do massacre da escola em Realengo ou até mesmo do episódio em Acari, quando a aluna Maria Eduarda, de 13 anos, teve seus projetos de vida e sonhos interrompidos pela “guerra não oficializada”. Não são apenas as questões pessoais e individuais que fragilizam a educação pública no país, mas a falta de compromisso efetivo com uma coletividade que segue na resistência, apesar de tanto descaso.
Volto ao pátio da minha escola e somente hoje consigo entender que pude chegar até aqui por uma força de elevação coletiva. Mesmo enfrentando tantas batalhas, num sistema de ensino precário, havia um jeito especial com que cada educador lidava conosco, tornando o ambiente familiar e acolhedor, que nos recebia quando, inclusive, também a família enfrentava suas próprias lutas. Vivenciando meus próprios problemas, eu não tinha condições de perceber que outros amigos e meus professores também tinham os seus. Se não fossem as atitudes que tornavam nosso cotidiano mais ameno, muitos não teriam ultrapassado os obstáculos. Eu mesma não estaria escrevendo este texto. Uma sutil, mas poderosa rede de proteção funcionava naquele espaço.
Em meio a diversos questionamentos, me pergunto: quando um jovem abandona a escola, para onde ele vai? Quem saberá sua trajetória, seu cotidiano? Quem vai ouvir os motivos da sua desistência? Se os jovens são o futuro da nação e esses não possuem condições básicas de progredir, que país (do futuro) é esse?
*Fonte: Estudo organizado pelo Insper, Fundação Brava, Instituto Ayrton Senna, Instituto Unibanco.dg