Na quarta-feira, 24, o ex-presidente Lula foi mais uma vez a julgamento, acabando condenado em segunda instância pelo caso do Tríplex do Guarujá. Penso que, de fato, a Justiça precisa encontrar todos os corruptos nos três poderes (e, nesse caso, não sei o que restaria do Legislativo, Executivo nem do próprio Judiciário) e puni-los. Porém, vejo que o Sistema Judiciário é seletivo quando às acusações, julgamentos e perseguições aos envolvidos nos processos de corrupção. De fato, existem dois pesos e duas medidas.
Ainda que instâncias e juízes atuem, julguem e deliberam sobre diferentes casos, percebo uma certa indiferença quanto aos feitos em especial do senador Aécio Neves e do atual presidente da república Michel Temer. Ambos muito recentemente estiveram envolvidos em escândalos de corrupção e a severidade da Justiça não se abateu sobre os mesmos. Temer chegou a gastar bilhões de reais em acordos com deputados e senadores para não ser investigado na Operação Lava Jato. Aqui, digo uma frase do saber popular que parece exprimir o que penso dessa situação: onde há fumaça há fogo. Que interesse teria uma pessoa em frear uma investigação na qual não está envolvido em nada ilícito?
O posicionamento antagônico do Judiciário entre os casos de Lula e Temer me parece muito mais relacionado a interesses políticos do que à vontade de fazer justiça no país da corrupção. Isso se aflora quando o ex-presidente, bem assessorado, afirma em seus discursos acalorados que estão falando mentiras a seu respeito e chama o povo à ir as urnas em outubro a votar nele como resposta a esse injustiçamento.
Vejamos, há uma confusão aí. De fato, os argumentos de Moro são rasos e as provas quanto ao tríplex inexistentes. Tudo se limita a deduções e mais deduções. Desse modo, é um grande equívoco condená-lo sem provas – até mesmo inconstitucional. Outra coisa é a resposta nas urnas, como se todos os problemas do Brasil fossem acabar após eleger Lula.
Quanto à relação constitucional / inconstitucional, tudo depende de como as elites querem conduzir o processo. Não podemos jamais esquecer que tanto a escravatura quanto as ditaduras militares no Brasil eram legais do ponto de vista jurídico. Logo, o que esperar de quem o fez à época e de seus herdeiros? O Estado serve aos interesses dominantes.
Quanto aos direitos civis, políticos e sociais conquistados e que constam no estado de direito, precisamos reafirmá-los e no atual estágio defendê-los ferozmente. Quando Lula chama a população para defendê-lo e reposicioná-lo como presidente em 2019, sugere assim que irá assegurar todos esses direitos. Porém, aí temos duas não-verdades: primeiro, não será um governo que poderá resolver todos os problemas do Brasil. O modo de produção capitalista objetiva sempre lucrar e todo estado-nação operará dessa forma. O que os governantes podem fazer é direcionar sua política-econômica de modo a ampliar os direitos dos trabalhadores.
Movimentos sociais manifestam apoio a Lula em Porto Alegre; veja fotos
Lula é condenado em segunda instância no TRF-4
24/01/2018: que tiro foi esse?
Ah! E aqui encontramos um terrível problema. Lula já esteve na presidência por dois mandatos consecutivos e pouco fez para ampliar os direitos dos trabalhadores. Obviamente, no que tange a alguns direitos sociais, ele fez para segmentos da classe trabalhadora o que nenhum outro presidente havia feito – basta lembrar do Bolsa-Família e a democratização do acesso à universidade. Porém, fez para o capital o que nenhum outro conseguiu fazer com tanta maestria, pois ao passo que atendia ao último apaziguava o primeiro.
Hoje, o ex-presidente se encontra encurralado, num beco sem saída. Há de se reconhecer que Lula está deitando na cama que ele próprio e o Partido dos Trabaharadores (PT) prepararam. Na medida em que se sentou à mesa com Deus e o diabo, perdeu a referência sobre quem era um e que era outro. Isto é, jamais será aceito entre as elites conservadoras brasileiras, que têm asco dos trabalhadores – ele próprio, um ex-metalúrgico, e se distância de sua base, fazendo muito pouco por quem o elegeu.
No que toca aos desfechos, está tudo muito evidente: a elite o expulsou de seus círculos e a classe trabalhadora já não se vê mais representada, inclusive, por todos os desgastes do PT na Lava Jato. Se, antes de ser eleito, boa parte da esquerda se via representada pelo partido, agora a fragmentação é total, o que não permite sequer um programa unitário. Os trabalhadores que não estão em partidos, movimentos sociais esindicatos também se veem perdidos e decepcionados diante da descoberta dos casos de corrupção.
Lula está chamando todos a se unirem por uma pauta: ele mesmo. Mas esquece que a esquerda, desde 1989, vem sofrendo perdas e derrotas e com muito custo tenta se levantar para continuar a lutar por uma sociedade sem exploradores e explorados. No caso do Brasil, essa esquerda vem desde 2003 a duras penas se reerguendo. Em 2016, os aliados do PT deram o golpe de misercódia e derrubaram Dilma Rousseff, finalmente fazendo tudo que o partido não conseguiu fazer para realizar com êxito a agenda neoliberal. Todos esses projetos, como a Reforma Trabalhista, Reforma da Previdência, entre outros, já tramitavam entre os poderes.
A consequência mais séria disso é que vivenciamos uma espécie de política do cinismo de Lula, pois, ao passo que agiu agradando as elites, desmobilizou segmentos da classe trabalhadora. O povo brasileiro a nada reage. Agora, o candidato Lula aparece como o representante daqueles que são excluídos da política e da economia do país sem nem ao menos se pre-dispôr a fazer um balanço sério para quem um dia apostou em seu governo e se viu traído. É como se a gestão do PT tenha ido muito bem, obrigada, e que, agora, quem não votar nele estará afundando o Brasil. Na verdade, a opção do PT não foi para contribuir na consolidação de organizações das classes trabalhadoras para lutas futuras e, sim, cooptá-las e apaziguá-las.
Agora, tudo tem se reduzido à pergunta: “em 2018 será Lula ou Bolsonaro?”. Quanto ao segundo pré-candidato, é impossível votar e apoiar um machista que agrediu verbalmente uma deputada ao dizer que ela não merecia ser estuprada. Chega a ser inacreditável ouvir que um ser pensante possui a capacidade de dar votos a este senhor. Bolsonaro resgata o que há de mais vergonhoso na história brasileira: elitismo, racismo, preconceitos e, não obstante, reacende tudo isso em quem nunca aceitou um Brasil de gente negra, pobre, de mulheres, de gays, lésbicas, travestis, transgêneros, transexuais, quilombolas e indígenas. O Brasil é plural. Se todos esses segmentos se unissem contra as elites que são representadas por Bolsonaro, já daria um belo caldo para sacudir a política desse país.