Abril foi o mês indígena. Este artigo relata a conferência “Liderança de Mulheres Indígenas”, em Salvador, e explora a jornada pessoal e comunitária das mulheres indígenas pelas gerações.
A liderança de mulheres indígenas
Os povos indígenas são frequentemente vistos como “protetores da floresta” quando levantam um espelho para a civilização ocidental, revelando como o capitalismo e a industrialização resultaram um aquecimento global. Mas se olharmos além de nós mesmos, veremos que a sobrevivência e o bem-estar deste povo já estavam seriamente ameaçadas muito antes de ficar claro para nós que a nossa existência também está. A caça e a pesca predatórias tornam a terra escassa, o que é insustentável para nós e devastador para eles e elas. Essa devastação ambiental e cultural levou as mulheres indígenas a lutarem para recuperar a terra e não apenas o direito de usar o que resta dos recursos depois que o governo privatiza e indústrias extraem. E elas lutam a qualquer custo.
Está claro, como sempre esteve – após o golpe e a prisão de Lula, tentativas de privatizar a maior companhia de eletricidade da América Latina e, consequentemente, o rio Sāo Francisco – , que o governo não é um aliado. “Políticos não nos representam”, conta Nádia Akauá Tupinambá.
Não podemos acreditar no governo e no exército, porque é claro que “o que eles dizem que vão fazer para ajudar não acontece, estão apenas atrás de votos”, conta uma nativa que não quis ser identificada. Muitos políticos só aparecem para coletar informações, e até mesmo membros da família às vezes entregam nativos (intencionalmente ou não).
A luta pelo território não precisa do governo. A autodemarcação da terra mostra a força política do movimento e a força espiritual do povo.
“Se você não se sente capaz de falar sobre si mesmo, como pode falar pelo outro? Se não falarmos, não seremos ouvidas. O abuso da mulher precisa ser falado pela mulher! Caso contrário, não haverá nenhuma mudança. É por isso que assumimos a responsabilidade da militância, sem fins de semana ou feriados”, diz Rosimere Arapasso.
Maridos também não podem representar suas esposas. Elas devem representar a si mesmas, porque se não falam, não são ouvidas. Existe poder na denúncia. Sem isso, não há direitos. Por outro lado, com a denúncia vem a perseguição. Sair da invisibilidade significa todo um novo conjunto de ameaças. “Os brancos querem continuar enriquecendo, então nos matam”, disse a nativa que não quis se identificar. É por isso que massacres acontecem com impunidade. Se os policiais ou militares não “removem” as aldeias de terras, os proprietários se sentem no direito de “remover a bala”. E se não matam, queimam as casas e as coisas.
“Liderar requer coragem, porque somos caçadas como animais”, conta Flávia Guarani Kaiowá.
O território Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, abriga a população que recentemente sofreu horríveis atos de violência. Flávia, uma líder indígena de 21 anos, testemunhou extrema brutalidade policial. A polícia invadiu sua comunidade, onde mora com seu filho de 6 anos, atirando, deixando muitos feridos e um morto (Caarapó, 2016). Ela diz, com lágrimas nos olhos, que seu filho não tem mais medo de armas, e que por gerações, nativos crescem com medo sem saber que sofrem opressão.
“Eu tive que superar o medo da morte, e agora estou preparada para morrer, porque sei que vou morrer fazendo algo que vale a pena”, conta Rosimere.
O trauma transgeracional, junto com a violência contemporânea, resulta em complexos obstáculos existenciais. Entre os jovens nativos, em particular, a desmoralização leva a altas taxas de suicídio. Alguns programas do governo mandam psicólogos às comunidades, mas, segundo Nádia Akauá, isso não é a solução. Eles não ajudam os nativos e as nativas porque não têm espiritualidade, e para eles e elas a oração é a arma mais forte contra a desmoralização. Muitos participam do programa porque é dinheiro fácil e brancos têm uma curiosidade pelo “exótico”. Esses psicólogos vêm da academia, não falando a língua da comunidade literalmente, culturalmente ou espiritualmente.
“A comunidade tem que decidir quem entra e quem não entra na comunidade. Não um programa qualquer do governo”, diz Nádia.
A esperança vem através da oração, e é por isso que a espiritualidade é uma força motriz do movimento de resistência indígena. Ser capaz de se chamar indígena e praticar rituais é uma vitória em si. É importante preservar e vocalizar a identidade indígena, especialmente depois de ser duramente impedidos de fazê-lo no passado. “Se a gente falasse que era indígena, morria” (A Cacique Abaeté). Durante a ditadura nos anos 60, havia campos de concentração para nativos. Hoje, se afirmar como indígena ainda pode ser uma sentença de morte. Então, em muitos aspectos, essa luta é simplesmente pelo direito de existir.
O legado das mulheres indígenas
Quando o Brasil foi invadido (não “descoberto”), praticamente não havia mulheres europeias, então a grande maioria da população brasileira veio a ser da miscigenação violenta entre homens brancos e mulheres de cor. O fato de nossas ancestrais terem sido violentadas é algo que nos afeta hoje em dia, e é um trauma transmitido a nós. Há pouquíssima história registrada dessas mulheres indígenas; por centenas de anos elas não tiveram voz. Tudo o que ouvimos e reproduzimos é a memória dos homens europeus brancos que as violaram. Então, não tivemos chance de sarar.
Não permitir os povos indígenas de falar por si mesmos tem sido uma maneira bem-sucedida e desprezível de incutir na sociedade a ideologia da supremacia branca, contra a qual ainda estamos lutando hoje. Por exemplo, apenas no ano passado, o Rijksmuseum de Amsterdã exibiu obras de um artista colonial holandês chamado Frans Post. Ele continuou a pintar paisagens brasileiras bem depois de sua visita ao Brasil (em meados do século 17), porque “vendiam muito bem” – enquanto “nem um único estudo de animal ou planta de sua mão é conhecido”. Em outras palavras, ele estava pintando fantasias, e ele não é o único artista holandês em museus de hoje que fez isso.
“As pinturas de (Albert) Eckhout foram apresentadas, na época, como “curiosidades”, mas acabariam influenciando, não a um pequeno grau, o olhar etnológico e as perspectivas antropológicas em relação aos povos indígenas do Brasil até os dias atuais”, diz Adone Agnolin.