Por Charles Monteiro e Ricardo França
Mulher, negra, favelada, uma pessoa de raiz. Mãe, guerreira, protetora, são inúmeras definições para alguém que era símbolo de uma nova política. Uma política verdadeiramente direcionada à defesa dos direitos do povo. Marielle Franco, aos 38 anos, representava uma nova esperança nesse cenário de incertezas que o país vive, mas que os milhões de moradores e moradoras de favelas e periferias vivem há muito mais tempo. Ela nasceu em um desses territórios de conflito, o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.
Motivada pela morte de uma amiga vítima de uma troca de tiros na favela, quando estava em um pré-vestibular comunitário do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm), Marielle optou por defender os direitos de um cidadão.
Direitos que estão previstos na Constituição e pela ONU, mas que parecem não ser válidos para os menos favorecidos social e economicamente. Marielle Franco se fazia presente nesses espaços de discussão. Estava sempre pronta para defender a quem não tinha ninguém. Uma mulher que lutava pela paz e em quem se podia confiar.
Na noite do dia 14 de março, uma quarta-feira, a vereadora do PSOL retornava do evento “Roda de conversa: Jovens negras movendo as estruturas”, na Casa das Pretas, na Lapa, quando dois veículos seguiram o carro em que ela estava. Imagens de câmeras de segurança mostraram o carro em que estava a vereadora, o seu motorista Anderson Gomes, 39, e sua assessora Fernanda Chaves, 43, sendo seguidos por dois carros de cor prata em parte do trajeto entre a Av. Salvador de Sá e a Rua Joaquim Palhares, no Estácio. Marielle foi baleada dentro do próprio carro quando um dos veículos emparelhou e efetuou disparos em sua direção. O motorista Anderson também foi baleado e morreu. A assessora da vereadora foi atingida por estilhaços do veículo.
A Polícia Civil identificou que a munição utilizada no crime é de uma pistola calibre 9 mm, que foi de um lote de munição UZZ-18, vendido para a Polícia Federal de Brasília, no dia 29 de dezembro de 2006.
Cerca de uma semana antes de sua morte, Marielle denunciou nas redes sociais a execução de dois jovens na comunidade de Acari e acusou PMs do 41º BPM de violências e ameaças contra moradores da favela.
Em fevereiro, Marielle se tornou relatora de uma comissão de vereadores que acompanha o trabalho de militares na intervenção federal do Rio de Janeiro, vista como um meio de resgatar a ordem na segurança pública. Uma intervenção polêmica que divide moradores e moradoras de favelas e periferias, principais alvos dessa ação.
Em entrevista concedida ao jornal A Voz da Favela, em 2016, como a única vereadora de favela eleita legitimamente para defender os direitos das mulheres, da juventude negra e da causa LGBTS, Marielle sintetizou o que significa um diálogo mais amplo, em seu ponto de vista:
“A minha vida está em risco quando a vida de outro favelado também está. A minha vivência enquanto mulher negra é estigmatizada porque outra menina negra também é. Eu fico feliz pelo fato de que na favela podemos usar esse espaço da rua, do brincar, porque isso constrói convivência e não apenas tolerância”, disse na época.
Eleita com 46,5 mil votos pelo PSOL, a quinta maior votação para vereadora nas eleições de 2016, Marielle Franco estava no primeiro mandato como parlamentar. Socióloga (PUC-RJ), com mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), defendeu o tema “UPP: A redução da favela a três letras”.
A ‘cria’ do Complexo da Maré trabalhou na coleta de dados sobre a violência contra as mulheres. Atuou pela garantia do aborto nos casos previstos por lei e militou pelo aumento da participação feminina na política. Em pouco mais de um ano, redigiu 16 projetos de lei.
Assassinada de uma forma covarde e brutal, com quatro tiros disparados em sua cabeça, Marielle foi alvo da insegurança que toma conta do estado do Rio há tempos. No entanto, hoje, essas sensações de pânico e de abandono têm tomado conta de cada cidadão, que se vê de pés e mãos atados. Sem saída. Sem uma solução aparente.
O Rio de Janeiro se tornou um laboratório de segurança pública de um governo ineficiente, que decidiu usar um aparato militar para encobrir sua incompetência enquanto gestores da administração pública. Não há nenhum plano para o bem da sociedade. Não há nenhuma garantia de que os direitos não serão violados.
Marielle acreditava que ocupar a política seria fundamental para reduzir as desigualdades.
Por conta de sua luta e bravura, Marielle tem sido homenageada seguidamente por todo o Brasil e mundo afora. A Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um comunicado exigindo investigação rápida dos assassinatos de Marielle e do motorista Anderson. A entidade classificou o crime como ‘alarmante’ pois visa, de forma clara, intimidar todos os que lutam pelos direitos humanos e pelo estado de direito no Brasil.
A voz de Marielle não irá se calar. “Eu sou porque nós somos!”