No dia 12 de maio, segundo domingo do mês, data em que se comemora o Dia das
Mães, completam-se dois meses da morte do jovem Matheus Melo de Castro, que
tinha 23 anos e foi assassinado por PMs quando saía da comunidade de Manguinhos,
onde foi deixar a namorada após ter ministrado o culto na Igreja Missão da Fé, em que
congregava há mais de um ano.
O casal iria noivar no mês de outubro.
Matheus trabalhava na Fundação Oswaldo Cruz, e teve os sonhos destruídos por policiais que nem sequer pediram os documentos de identificação.
– “Executaram meu filho, que estava com as duas mãos na moto e não viu a voz de
parada dos PMs que já saíram atirando”. – lamentou o pai Wellington.
– “As pessoas acham que vai ser difícil só em maio, mas é difícil todo dia”. – disse a mãe Elaine, entre soluços.
O jovem, que foi assassinado dois dias antes de Marielle Franco ter sido executada
após ser nomeada relatora da intervenção federal no Rio, não teve a assistência do
Estado, que até hoje não encontrou os responsáveis pela morte de Matheus.
O caso acima, infelizmente não é novidade. A chegada da UPP, em outubro de 2012,
foi prometida como um benefício para os moradores do Complexo de Manguinhos,
que também agrupa as Favelas do Mandela e Varginha. No entanto, as práticas
repressivas resultaram na morte de um adolescente, em março de 2013, Matheus
Oliveira Casé, de 16 anos. Ele foi vítima de parada cardíaca, após ter sido abordado
violentamente por policiais que usaram uma arma taser. Uma amiga relatou que
brincava com Matheus, que disse: “vai morrer”. Os policiais ouviram e acharam que o
jovem se referia a eles, e deram o choque por trás. Matheus caiu na calçada e bateu
com a cabeça.
O cotidiano de violência também atingiu duramente as mães Ana Paula Gomes de
Oliveira e Fátima dos Santos Pinho de Menezes, que há quatro anos partilharam a
mesma tragédia de perder um filho.
As duas criaram o coletivo Mães de Manguinhos, que nasceu a partir da necessidade
de denunciar a prática repressiva de policiais. Segundo Ana Paula, seu filho Johnatha
de Oliveira Lima, 19, assassinado no dia 14 de maio de 2014, após se despedir da
namorada, passou na casa da avó e depois por uma parte da favela, onde acontecia
uma confusão entre moradores e policiais. Houve tiros e um deles acertou Johnatha
nas costas.
Após quatro anos, até hoje não se condenou o responsável pelo homicídio.
O PM Alessandro Marcelino de Souza, que já havia sido preso durante um mês e
respondia por triplo homicídio e outras duas tentativas em Queimados, na Baixada
Fluminense, foi acusado pela morte do jovem. Fátima Menezes foi quem presenciou a
morte do rapaz, que chegou à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Manguinhos
já morto por conta de uma hemorragia interna e sob escolta de duas viaturas.
Ana Paula, que é formada em Pedagogia pela Universidade Estácio, chegou ao local desnorteada, porque dissera que o filho saiu sorrindo de casa e ainda não acreditava
no que houvera acontecido. Os PMs relataram na delegacia que foi auto de resistência,
mas a balística comprovou que a bala que matou o rapaz foi do PM Alessandro, que
nem sequer foi afastado enquanto aguardava julgamento. O processo segue sem
condenação de um culpado.
Um noticiário de TV na época aumentou a dor de Ana Paula, que teve o filho criminalizado pela mídia. “Não basta só matar, tem que matar e criminalizar”, disse a mãe revoltada.
Os policiais envolvidos no caso de Johnatha já eram conhecidos na comunidade pelas
práticas abusivas na hora da abordagem. Fátima também é uma das mães de
Manguinhos que teve seu filho assassinado. Paulo Roberto Pinho de Menezes, 18,
morto no dia 17 de outubro de 2013, foi perseguido por um policial que o reconheceu
na época em que o rapaz cometera um delito. Mesmo tendo passado pelo processo de
ressocialização, Paulo Roberto foi vítima de espancamento que resultou em múltiplas
lesões e asfixia mecânica, segundo o óbito.
“Ele vinha de um barzinho, e ia dormir na casa de um amigo. É a única diversão que
eles têm. Ficar conversando nesse barzinho até tarde. Eu tinha medo, mas adianta
proibir? Os policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) estavam fazendo
abordagem num beco e, quando ele foi passar, houve confusão e começaram a bater
nele. Bateram até ele quase morrer, depois asfixiaram”, disse Fátima.
Na época, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro confirmou
que os cinco policiais da UPP de Manguinhos foram indiciados pelo crime de lesão
corporal seguida de morte e que estavam lotados em diferentes batalhões da Polícia
Militar enquanto aguardavam julgamento.
Ana Paula viajou internacionalmente a convite da Anistia Internacional junto com
Teresinha Maria de Jesus, mãe do menino Eduardo de Jesus, 10, morto por policiais
quando mexia no celular na porta de sua casa, no Complexo do Alemão. O inquérito
concluiu que os policiais atiraram acidentalmente na criança numa situação
de confronto com traficantes, legitimando a ação. Segundo investigações, os policiais
agiram em legítima defesa.
Para o delegado Rivaldo Barbosa, que comandou a investigação, os PMs atiraram
“respondendo a uma injusta agressão, e lamentavelmente acabaram atingindo a
criança”. E afirmou: “Concluímos que eles agiram em legítima defesa e erraram na
execução.”
Conforme depoimento à Anistia Internacional, a mãe de Eduardo, em desespero,
gritou aos policiais: “você matou meu filho”. Teve como resposta um fuzil apontado
para a sua cabeça e uma ameaça: “Assim como eu matei seu filho, eu posso muito bem
te matar, porque eu matei um filho de bandido, um filho de vagabundo”, relata a mãe
no depoimento.
A criança foi morta em plena luz do dia, em 4 de abril de 2015.
Ana Paula e Teresinha foram convidadas a prestar seu depoimento em quatro países,
numa viagem que durou 17 dias para falar sobre o relatório feito pela Anistia, “Você matou meu filho: homicídios cometidos pela PM-RJ”. A Espanha foi o local que mais marcou Ana Paula, onde visitou duas escolas, uma de Ensino Fundamental e outra de
Ensino Médio.
– As pessoas só conhecem o que a mídia passa. Foi importante estar lá para falar dos
nossos filhos, porque eram duas mães representando milhares de outras mães. Foi
muita responsabilidade. São adolescentes que não vivem essa realidade e ficaram
assustados com o que ouviram, disse Ana, que após o depoimento recebeu o abraço e
a solidariedade dos estudantes com gritos de “Johnatha, presente”.
Já para Fátima, falar sobre o filho morto pode evitar que outros casos se repitam, além
de dar suporte para as mães que sofreram o trauma de perder seus filhos para a
violência. Como é o caso de Maria de Fátima dos Santos Silva, do outro lado da cidade,
na favela da Rocinha, a aproximadamente 23 km de Ana Paula e Fátima.
Ela também perdeu um filho, Hugo Leonardo dos Santos Silva, 32, no dia 17 de abril de
2012, meses antes da instalação da UPP na comunidade. Quando conheceu Ana e
Fátima, numa manifestação em Manguinhos, ela conseguiu desabafar a dor da perda
que sentia. “Elas me deram muita força. Foi uma vitória pegar o microfone e contar,
diante de todo mundo, a minha história. É bom a gente ver que não está sozinha”,
disse.
Em maio, acontece em Salvador, na Bahia, o Encontro Nacional de Mães e Famílias
vítimas do Estado. O coletivo Mães de Manguinhos criou uma arrecadação online para
financiar a viagem, em sua página nas redes sociais.
“Cada dia é uma luta pra sobreviver. Tem mãe que adoece, mas eu quero falar para o
mundo sobre a dor de perder um filho vítima da violência policial”, encerra Maria de
Fátima, obstinada em sua luta apesar da dor.