Caminhamos para a eleição mais difícil e turbulenta de nossa recente experiência democrática. Esta semana e a próxima acontecem as articulações finais entre as legendas partidárias, com as definições de candidaturas, chapas e coligações em nível federal e nos estados. Daqui a 8 finais de semana, acontece o primeiro turno das eleições para presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. Cada uma destas disputas tem contornos e características próprias.
No plano nacional, a conta ainda não fechou. A principal questão em aberto é a situação do ex-presidente Lula: o candidato mais popular, favorito e que desponta em primeiro lugar em todas as pesquisas de opinião, está preso. O absurdo da situação fica evidente quando vemos raposas felpudas da política nacional, vários investigados, condenados, apanhados em flagrante delito, que seguem a vida normalmente, jogando pesado nos bastidores, ou mesmo disputando eleições para preservar algum mandato que lhe garanta privilégios e imunidades inerentes ao exercício do poder.
A interdição de Lula é a exposição em praça pública da anormalidade institucional que atravessa o país. O povo teima em cravar o seu nome, com Lula ausente das pesquisas o número de pessoas que declara que não vai votar em ninguém aumenta absurdamente, em alguns estados Lula chega a ter o dobro ou o triplo da soma do percentual de intenção de votos de todos os outros candidatos reunidos. Neste sentido, a manutenção de sua candidatura à presidência, mesmo com a possibilidade iminente de que seja cassada após o registro, configura-se como peça de resistência, chamando atenção para a gravidade do problema que estamos enfrentando.
Por outro lado, a estratégia “ou Lula ou Nada”, seguida pelo PT ao longo dos últimos meses, criou obstáculos para a formação de um bloco mais amplo de forças progressistas, ou mesmo uma frente de partidos de esquerda. Não se viabilizou, até o momento, um adensamento eleitoral ou político de nenhuma das pré candidaturas do campo de centro esquerda já colocadas: Ciro Gomes, Manuela D’ávila e Guilherme Boulos. A esquerda brasileira, com Lula, teria tudo para hegemonizar a disputa eleitoral no plano nacional, mesmo com candidaturas separadas. Sem Lula e dividida, caminha para ficar na arquibancada assistindo a um segundo turno surreal entre o nome ungido pelo sistema (Geraldo Alckmin) e a expressão aberta do fascismo e da intolerância (Bolsonaro).
O cenário mais provável que se configura à esquerda é o lançamento da candidatura de Lula, e uma quase certa interdição eleitoral posterior de seu nome na justiça, o que levaria o PT a substituir o Lula na chapa por algum outro nome indicado pelo partido. O potencial de transferência eleitoral de Lula a este “candidato X” a poucos dias da eleição, é uma incógnita. A capacidade desta estratégia em atrair aliados no plano nacional e nos estados é algo ainda duvidoso. Mas ainda pesa o fato de que, mesmo preso, Lula é o principal nome e cabo eleitoral desta eleição, especialmente nos estados do nordeste e, de forma crescente, na periferia dos grandes centros econômicos e populacionais do país.
Nos estados, mesmo com as indefinições do quadro nacional, o movimento é curioso, com tendências à esquerda. Os governadores de esquerda do nordeste que disputam a reeleição, incluindo PT, PSB e PCdoB com Flávio Dino no Maranhão, devem obter vitórias expressivas. Isso não é pouco num quadro de tanto retrocesso no plano nacional. O PT tem ainda grandes chances de reeleger o governador de Minas Gerais, e ainda ganhar pela primeira vez o governo do Rio Grande do Norte. Ceará, Bahia, Pernambuco, Piauí, Acre, entre outros estados, completam um cenário razoavelmente favorável ao campo progressista. Em São Paulo, existem condições concretas de, pela primeira vez em quase 30 anos, o PSDB perder o comando do maior estado do país.
No RJ, o quadro é de falência múltipla de órgãos. O principal condomínio de poder do estado, construído em torno dos caciques estaduais do (P)MDB, implodiu. Os que escaparam do desmonte tentam juntar os cacos do espólio pra se viabilizar em torno de nomes como Eduardo Paes (agora no DEM) e Romário. A esquerda fluminense paga o preço, por um lado, de 3 décadas de divisão e sectarismo mútuo por parte de suas principais correntes, e por outro, de sua adesão, em parte, aos governos do PMDB que causou grande desgaste destes setores junto às suas bases políticas e sociais. Pulverizadas em várias candidaturas, nossas já fragilizadas agremiações correm o risco de terem um desempenho inexpressivo, incapaz de reverter o quadro terminal da saúde política de nosso estado.
Por fim, as eleições proporcionais, para a Câmara de Deputados e Assembléias Legislativas. Temos hoje um Congresso Nacional dos piores, totalmente desacreditado pela sociedade, com uma representação majoritária das elites econômicas, ruralistas, indústria armamentista, bancada evangélica e associações diversas com o crime organizado. Apesar do sentimento de rejeição da população contra a política e seus representantes, não caminhamos para um cenário de renovação de personagens e práticas. Ao contrário, para citar apenas o exemplo do Rio, por aqui os filhos e filhas de Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Roberto Jefferson, Picciani, Garotinho, César Maia e Bolsononaro, além de Crivella, concorrem à Câmara Federal ou ALERJ, com eleições praticamente asseguradas. É preciso disputar este voto, especialmente junto aos setores populares, sempre associando à disputa do voto com a disputa de projetos de país, de cidade e de sociedade.