A ocupação Povo Sem Medo, localizada entre Pavuna e Jardim América, existe há menos de um ano, mas já tem muitas histórias para contar. Pois foram centenas de vidas transformadas, construindo casas “na marra”, resistindo à ameaça de despejo e ainda enfrentando inumeráveis desafios materiais e humanos.
A entrada no terreno se deu em outubro do ano passado, mas a ideia da ocupação já vinha se articulando há meses, através de várias reuniões de informação e cadastramento, envolvendo mais de 80 famílias que, muitas vezes, sequer se conheciam. As Brigadas Populares, a Associação dos Moradores da Ficap e a Faferj deram apoio fundamental na coordenação desse longo processo, mas a iniciativa veio do próprio povo: homens e mulheres de diversas idades que precisavam sair de uma situação habitacional precária – morando de favor ou com dificuldade para pagar seu aluguel.
De fato, a cidade do Rio de Janeiro apresenta uma necessidade habitacional de 420.000 moradias*, enquanto existem outros milhares de imóveis ociosos no município. A área ocupada pelo Povo Sem Medo é uma antiga fábrica têxtil, desativada há anos, que acumula uma dívida que ultrapassa dez vezes o próprio valor do imóvel. Mesmo assim, a empresa proprietária entrou em ação de reintegração de posse contra a ocupação – ação recentemente encerrada pelo juiz por ausência de pagamento dos custos processuais. Caberia agora à Prefeitura desapropriar o terreno e regularizar as moradias.
Ao chegar ao espaço, que encontraram tomado por mato e cheio de entulhos, cada um dos núcleos familiares recebeu um lote demarcado no chão e numerado, e ainda teve que erguer as suas casas. Na prática, os moradores não hesitaram em ajudar uns aos outros, botando a mão na massa e reaproveitando qualquer pedaço de madeira encontrado na rua. E se hoje em dia quase todos os lares têm fogão e geladeira, no primeiro mês a cozinha era coletiva e a comida vinha principalmente de doações.
Oito meses passaram e a ocupação Povo Sem Medo parece agora um pequeno bairro comunitário, onde as crianças podem andar de bicicleta nas “ruas” sem carro que surgiram entre as construções. O grande diferencial de uma ocupação de terreno, em relação à de um prédio, se encontra justamente nessa horizontalidade, nesse céu aberto lá em cima. Chegando num domingo, não há dúvida de que você vai dar de cara não só com a criançada brincando, mas também com algum churrasco de vizinhos acontecendo na “praça”. E pode ter certeza que vai ser convidado.
* Dados da Prefeitura baseados no censo de 2010.
Matéria publicada na edição de julho de 2018 no jornal A Voz da Favela.