Retrato (escrito!) de Amaury Alves e Elana Paulino, fotógrafos criados no Santa Marta.
Conheci Elana e Amaury há alguns meses, num evento de fotografia que aconteceu no morro Santa Marta, a favela onde eles moram. Eles me chamaram a atenção pela coragem e pela ambição que marcaram suas trajetórias, numa área profissional onde poucos conseguem sobreviver.
Elana tem 36 anos. É casada, mãe de quatro filhos, estuda radiologia e se sustenta com
fotografia. Ela trabalha principalmente de crianças, tem até um estúdio dentro de casa, mas gosta de fotografar pessoas em geral e procura sempre contar histórias através dos seus registros – histórias do morro e dos seus moradores, como ela se propôs a fazer quando participou do projeto Favela Grafia.
Para quem não nasceu num meio social privilegiado e não dispõe de certo um capital inicial, dedicar-se à fotografia exige muito sacrifício. Elana lembra dos seus primeiros passos, ainda adolescente, com máquina analógica: “Eu trabalhava como babá e, todo dia, eu dava a metade do dinheiro para a minha mãe e com a outra metade, eu comprava filmes.” Anos depois, acessar uma formação profissional foi outra luta. “Meu sonho sempre foi fazer fotografia, mas quando fui ver, era tudo muito caro. E esse sonho acabou se tornando distante. Até que em 2013, a Senai abriu um curso gratuito. Quando vi o cartaz, eu me inscrevi sem saber como ia fazer para conciliar com os meus horários. Mas acabei conseguindo. Eu ia pro curso de manhã, trabalhava a tarde no bondinho e ainda estudava a noite na escola. Foi a época mais cansativa da minha vida!”
Foi nesse curso da Senai que ela e Amaury se conheceram. Ele era bem mais novo, mas longe de ser iniciante. Pois Amaury teve seu primeiro contato com a fotografia aos 14 anos, acompanhando um amigo da família que trabalhava numa revista. “De início, o cara me deu a câmera na mão, eu não sabia nem mexer, fui procurando… E na minha percepção, achei que eu tinha feito umas fotos legais…” E foi aprendendo assim na prática, cobrindo como voluntário as atividades de um centro cultural dentro da favela. Suas primeiras oportunidades de trabalho apareceram na área do fotojornalismo, no Viva Favela, mídia comunitária fundada em 2005 e onde ele foi auxiliar de fotografia até 2017. Agora com 21 anos, Amaury virou independente e se sustenta principalmente com registro de shows, acompanhando três bandas musicais do Rio.
Elana e Amaury sabem o tamanho do desafio que é viver da fotografia, principalmente em tempos de crise, já que contratar um fotógrafo não costuma ser prioridade no orçamento das pessoas. Sem falar que dentro de uma comunidade, não tem como cobrar os valores praticados na Zona Sul. Quando eu perguntei para eles qual seria o seu conselho para um jovem fotógrafo, a resposta foi unânime: corra atrás! Faça contato e divulgue seu trabalho! “Fotografia é persistência”, resumiu Elana. “Você vai postando, postando, postando… fazendo trabalhos de graça para ter outros pagos… Porque em alguma hora, alguém vai acabar lembrando que aquela pessoa é fotógrafa!”
Atualmente esse é o percentual de pessoas vivendo em favelas cariocas. E ainda em tempos atuais, o olhar predominante da sociedade sobre esse local continua igual: um olhar estereotipado, em que favela é sinônimo de perigo, carência e tráfico. Algumas pessoas lutam para quebrar tal paradigma, e é através da fotografia que pessoas como o Bruno Itan com o projeto Olhar Complexo (@olharcomplexo) lutam para transformar o olhar de quem olha de fora para as comunidades. Bruno oferece um curso de fotografia ministrado no CRJ do Alemão, que nasceu da necessidade de fomentar cultura fotográfica dentro da comunidade do Complexo e já capacitou mais de pessoas de forma gratuita, entre crianças e adultos, podendo eventualmente gerar renda no Conjunto de Favelas do Alemão. “Eu buscava informações sobre o Complexo [do Alemão] na internet e só via gente morta, tiroteio e coisas ruins. Eu ficava pesando como que ninguém via o pôr do sol maravilhoso que eu só via aqui dentro” Itan comentou com o G1 em entrevista. Outro projeto que traz novas percepções sobre as favelas cariocas é o Favelagrafia (@favelagrafia). O projeto conta com 9 fotógrafos de 9 comunidades diferentes que foram convidados pela agência NBS para clicar as ruas da comunidade onde vivem, sendo elas Complexo do Alemão, Santa Marta, Morro dos Prazeres, Cantagalo, Babilônia, Morro da Mineira, Borel, Rocinha e Providência respectivamente. Com 2 anos, o projeto já esteve em exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ganhou dois bronzes no Festival de Publicidade de Cannes 2017 e é um dos condutores para as favelas serem mostradas de formas verdadeiras, e por quem vive ali. “Aqui, as favelas são mostradas de forma verdadeira, por quem mais entende delas: seus moradores.[…] O objetivo do projeto é dar visibilidade para o dia a dia do local, suas histórias, paisagens e personagens. Detalhes que só quem mora lá conhece. Recriando, assim, o olhar da cidade sobre a favela”, esclarece o site do Favelagrafia.
Estamos acostumados a sermos vistos com o olhar de pessoas de fora, mas quando um favelado pega em suas mãos uma câmera, digital ou de seu telefone e faz registros das coisas boas que tanto acontecem em nossas vielas, isso é revolucionário. Quando você dá poder a uma pessoa para ela escrever sua história, a história de seu local, tão banalizado por todos, mesmo que fotograficamente, é revolucionário.