“Entre, nós somos muito mente aberta!”

Blenda Santos, 2018. Tradução: "Camden Market: Entre, nós somos muito mente aberta".

Em todas as cidades que visitei, seja na capital ou no interior do Brasil, ou até mesmo em outros países, o sorriso era involuntário ao dizer de onde vim. Ainda assim, seja pela minha vontade de conhecer o mundo, seja pelas minhas críticas à administração do país, as pessoas sempre me viram como alguém que não sente orgulho de ser quem é. A verdade é que sempre me orgulhei por ter nascido no Brasil e, principalmente, por ser nordestina.

Assim como muitos brasileiros, durante esse período eleitoral, algumas das minhas relações pessoais ficaram estremecidas por divergências políticas (e humanitárias) e, por uma questão de autopreservação, decidi não mais discutir com essas pessoas. Mas, algo curioso aconteceu essa semana. A Netflix lançou, em outubro, “22 de Julho”, um filme sobre os ataques de 2011 na Noruega.

Pra quem não se lembra, em 22 de julho de 2011, um norueguês realizou um massacre num acampamento, matando mais de 70 pessoas e ferindo mais de 200 – a maioria delas, crianças e adolescentes –. Ele alegou patriotismo, por estar salvando a Noruega, e a Europa, do multiculturalismo. O multiculturalismo é o termo que descreve a coexistência de diversas culturas num mesmo território (Alô, Brasil!).

“(…)você só é quem você é porque você nasceu no Brasil (…)”

O mais curioso foi o fato de, horas antes, a pessoa que assistiu ao filme comigo, ter criticado as medidas de acolhimento aos imigrantes. Isto porque, segundo um dos jornais locais, 30 (trinta) venezuelanos foram enviados a Salvador e já possuíam trabalho. “Nós deveríamos ser mais nacionalistas e fechar as fronteiras, porque já temos milhões de desempregados e os imigrantes reduzirão nossas chances de conseguir emprego”.

O Brasil foi construído à base da imigração: primeiro vieram os portugueses, depois os africanos, italianos, alemães, chineses e japoneses… Independente de como chegaram ou do seu legado, só somos quem somos e o que somos por causa do trabalho e dedicação de todos esses povos. E sim, você poderia ter nascido em qualquer país, mas você só é quem você é porque você nasceu no Brasil; um país multicultural.

“Só a humanidade é capaz de nos fazer evoluir física e espiritualmente, enquanto pessoas e sociedade.”

Lembro de crescer escutando o quão simpáticos e calorosos somos enquanto anfitriões. Que somos tão bons que, quando alguém está perdido, por exemplo, a gente segura pelo braço e guia a direção. Perguntamos se a pessoa precisa de mais alguma coisa. Nos certificamos de que ela está bem. E só então vamos embora, seguimos nosso caminho.

Isso sempre encheu meu coração de amor, esperança, e orgulho, porque me lembrava que, não importa por qual adversidade estivéssemos passando, nós ainda tínhamos o mais importante: a nossa humanidade. Só a humanidade é capaz de nos fazer evoluir física e espiritualmente, enquanto pessoas e sociedade. Só ela é capaz de nos dar o que buscamos incessantemente: o nosso desenvolvimento. E só a falta dela é capaz de nos tirar o nosso maior bem: a nossa dignidade.

“Não retire um pedaço da torta, faça uma nova torta!”

Há alguns meses eu li um texto da Gloria Steinem que dizia: “Feminismo nunca foi sobre dar um emprego a uma mulher. É sobre tornar a vida mais justa para as mulheres em todos os lugares. Não é sobre dar um pedaço da torta: há muitas de nós pra isso. É sobre fazer uma nova torta.”.

Para garantir os seus direitos, você não precisa retirar os de outras pessoas. Tampouco para construir um Brasil melhor. Não retire um pedaço da torta, FAÇA UMA NOVA TORTA! Mas não se perca nesse caminho, não perca sua humanidade. Permaneça sempre “(…) VERY open MINDED”.