Um amigo meu, compadre até, desviou do caminho e há três anos entrou para o exército de brasileiros contra o PT. Pediu a cabeça da Dilma, a prisão do Lula, chamou todo mundo de ladrão, saiu de camisa amarela, endeusou o juiz de Curitiba e seus garotos procuradores, e nesta eleição não teve coragem de dizer que estava com Haddad, mas deixou comentários na minha página que concordavam com posições antifascistas. Deve estar decepcionado com o resultado das urnas, mergulhou em silêncio e remói remorsos e arrependimentos, ou quem sabe muda de pele para melhor se adaptar ao cenário que se aproxima. É natural.
O que não é natural é a sanha com que eleitores de Bolsonaro se atiram sobre os adversários políticos do Partido dos Trabalhadores, em especial jovens universitários e professores de todos os níveis escolares. Parece que a vitória nas urnas deu a senha para a implantação do estado policial da ditadura em nova versão, muito mais sofisticado e obscurantista. Uma deputada abriu conta em rede social para receber, anonimamente, denúncias de progressistas no meio acadêmico e uma professora sugeriu aos alunos gravar
em seus celulares colegas que externem em sala de aula qualquer comentário ideológico ou político. Mais um sinal dos tempos.
Tempos obscuros têm a marca da ignorância estampada em quase tudo. Dizem que são tempos de ojeriza a pensar e saber. Um comentarista político português disse à televisão de lá que o Brasil cultiva o “desprezo ao conhecimento”. Tudo é superficial e rasteiro, a falta de raciocínio conduz à redução de todas as coisas ao simplismo. No ritmo dessa festa, em breve as roupas e acessórios da cor vermelha serão proibidos por representarem o PT, o comunismo e sabe-se lá o que mais. Na capital do país já se veem afixados às paredes alertas impressos a negros, nordestinos, estrangeiros, lgbts e outros que se preparem para o novo tempo. Na favela carioca, a Polícia Militar enche o peito e proclama que “a ditadura voltou” e desce a porrada, abre fogo e mete pé nas portas com toda a força.
O estado democrático de direito é apenas uma imagem que desbota mais a cada ação truculenta da ignorância. No domingo mesmo da eleição, um provável petista gritou “Lula livre” no bar carioca e um também provável eleitor da direita rasgou sua cabeça com uma garrafa de cerveja. Este clima em que qualquer faísca resulta em explosão vem do alto, do próprio presidente eleito, que prometeu fuzilar a “petralhada do Acre” e ameaçou com banimento ou cadeia quem não estiver satisfeito com o seu governo. O cidadão cá embaixo no rés do chão se inspira nas promessas e ameaças do líder para executar desde já suas próprias ideias revoltosas, seus justiçamentos sumários. Por enquanto espocam, aqui e ali, iniciativas isoladas, um tiro, uma garrafada, uma facada; mas em breve virão as denúncias que levarão ao linchamento de pessoas inocentes que sempre são vítimas numa guerra, como já ditou o presidente eleito em outra senha à população.
O desprezo ao conhecimento também é típico dos regimes autoritários e causa de comportamentos igualmente autoritários, como o do deputado que ameaçou fechar o Supremo com “um cabo e um soldado”. É filho do presidente e traz do berço a linguagem e os princípios de autoridade dos quartéis, onde não se questiona ordem nem disciplina e a hierarquia dita os códigos de convivência. Com o capitão no Alvorada e o general no Jaburu entramos na ordem unida da ditadura militar. Outros oficiais de alta patente virão. A dois meses da posse, outro general já anuncia que serão banidos todos os livros que não contem “a verdade sobre 64”. Virá, então, a canonização do torturador Brilhante Ustra e a adoção do seu livro “A Verdade Sufocada” nas escolas. E o que os generais, coronéis e capitães não pensarem há um mundo de civis homens e mulheres ansiosos por dar sua valiosa contribuição. São os reacionários saídos do armário com a alma entupida de rancor, mágoa e tristeza. A eleição foi o pior; agora começa o mais difícil. Quem viver verá!