Fael Tujaviu, fruto da favela

Fael Tujaviu recebeu a gente para um baita papo sobre a atualidade e nossa realidade. Créditos: Davi Ferreira

Na última quinta-feira (15), fomos conferir a batalha do Para Paz, evento que acontece todas as quintas à noite na favela do Para Pedro, localizada em Colégio, zona norte do Rio. E lá conhecemos Fael Tujaviu, um artista com uma representatividade gigante na comunidade e que chamou a atenção por isso. Ele inclusive é o responsável pela organização das batalhas.

Fomos então atrás dele para que  nos contasse sobre a sua história e carreira. Original da própria comunidade do Para Pedro, Fael (apelido de Rafael Araújo) atua há quase 20 anos no ramo do grafite e do rap. Começou a fazer batalhas e eventos de grafite na favela em 2007, e não parou mais.

Ele sempre teve talento para os desenhos, desde criança, quando reproduzia personagens animados. Passou a se envolver com a arte em 1994, com 10 anos, quando viu que isso era cultura e tinha bastante gente acompanhando. O primeiro contato com o grafite veio aos 14, graças a um grupo de capoeira que ele participava, e a partir de 2000, quando teve a oportunidade de fazer o seu primeiro grafite, entrou definitivamente nesse mundo. Em 2002, ingressou no projeto “Malícia Urbana”, grupo de arte da rua que está de pé até hoje, e que sempre envolveu grafiteiros de vários lugares, marcado por uma troca intensa de experiências.

O apelido “Fael” veio depois de alguns outros que ele recebeu, mas ficou porque era a forma que muitos já o conheciam. O sobrenome “Tujaviu” veio por um amigo, com quem ele compunha uma dupla, há um tempo, e que emplacou essa denominação, hoje carregada no nome artístico.

Sua principal marca é o “Fruto da Favela”, um grafite que representa uma favela nascendo de uma árvore. Além disso, é o nome da principal música do artista. Ao longo desse tempo, Fael também já produziu vários outros clipes, como “Cidade dos Meninos”, “Dona do Baile”, e o cypher “Você é do tamanho do seu sonho”, que contou com a participação de vários outros artistas e já passou de 2 milhões de visualizações.

Grafite do fruto da favela. Créditos: Davi Ferreira

Visitamos então o local onde Fael pensa sua arte, o estúdio que fica num cômodo de sua casa, no bairro de Barros Filho, também zona norte do Rio. Ele abriu suas portas para nos contar mais sobre o trabalho que ele realiza há anos e quais são suas principais realizações, desafios e sonhos.

ANF – Como você fugiu do mundo da criminalidade através do rap e do grafite?

Fael: Apesar de eu ser pobre e favelado, tive alguns privilégios. Estudei no centro da cidade e tive uma visão um pouco mais externa, em relação à favela. Ela é uma ilha, onde o crime realmente te atrai. Eu peguei numa pistola na escola, já mexi com arma e com droga. Mas eu conheci o mundo fora, já tinha uma visão mais ampla da vida. Morei com minha avó em um condomínio em Pilares, convivendo com uma galera de classe média. Foi uma visão de mundo diferente para mim, que eu tenho certeza que é o tipo de coisa que faz o favelado querer mais, desde que ele entenda, conheça, saiba que exista. A falta de informação é que faz nos entregar para essas paradas mais fáceis, porque a gente fica sem destino e o crime é muito sedutor, ele te proporciona um poder.

Para ter apoio e fazer projetos e eventos, fazer uma feira, botar um som na esquina da comunidade, tem que ter diálogo com as pessoas. Mas se criou uma ideia de que todo mundo está no mesmo patamar e é “envolvido”, desde associação de moradores até projeto de ONG. Eu já fui acusado de ser conivente com o tráfico. Você tem que manter contato, mas não necessariamente tem coisa errada nisso. E essas ideias vêm de dentro da favela. Eu fico imaginando fora dela, onde o preconceito é muito maior, e as pessoas acham que na favela só tem marginalizado.

ANF – Qual o caminho para que a juventude de hoje também siga esse caminho?

Fael: É hipocrisia falar que a educação vai fazer a galera sair desse mundo, porque isso é meio utópico. É necessário conscientizar mais, levar os jovens para feirões das profissões, para mostrar o que existe e o que as pessoas fazem, exemplos reais de pessoas que deram certo. Eu tive a oportunidade de conhecer projetos sociais. O problema é que não existe apoio. O equipamento que tenho aqui foi comprado com dinheiro de ação local. Poderia haver muito mais iniciativas para salvar, através do mínimo de investimento, porque isso muda a realidade. Muitas vezes a gente tira dinheiro do próprio bolso, da família. Eles têm condição de ajudar mais. E esses tempos aí me deixam desacreditado, parece que as coisas só vão piorar. A gente tem que fortalecer pela base, senão tudo isso vai morrer.

ANF – Qual o principal desafio para fazer seu trabalho ter mais alcance?

Fael: É algo crescente. O trabalho tem que ter qualidade e ser constante, acontecer sempre, com periodicidade. No meu caso, isso é um fator e a maior dificuldade: manter um planejamento de lançamento de trabalhos. Tem gente aí lançando rap toda semana, todo mês, com videoclipe. É muito importante esse período curto entre lançamentos. O segundo fator é o marketing digital, esse lance de redes sociais, para encontrar pessoas que sigam meu trabalho, se identifiquem com ele. A frequência faz a qualidade melhorar e atrai as mídias.

Aqui eu faço uma parada sentimental, não criei um personagem para vender. Fael Tujaviu é a minha vida, é o Rafael Araújo. Eu sei que tem muita gente que se identifica, mas eu tenho que chegar nelas, e essa é a minha busca. E pelo fato de eu não ter um apoio legal, uma assessoria de imprensa, a parada não chega. Nossos números são orgânicos, é tudo orgânico. Tem gente com muitos números, que paga pelo impulsionamento, tem um milhão de visualizações, mas com um trabalho pobre, é algo sem nexo. E aí na hora dos shows, o público não conhece minhas letras, ou pior, os organizadores nem me levam.

ANF – Para concluir, quais os seus sonhos, objetivos e planos para o futuro?

Fael: Eu quero sinceramente conseguir manter minha família, dar uma educação boa para o meu filho, e continuar fazendo o que faço, pintando, cantando rap, dialogando com as pessoas sobre as coisas que eu acredito e represento. Quero ser um exemplo de realização, mesmo que aqui falte estrutura e material. Quero me tornar uma referência para a “molecada”. Aqui é muito trabalho, suor, que poderia ser aplicado de várias outras formas, mas está sendo no que eu acredito. Com meu grafite e meu rap, vou conseguir dar um futuro para minha família. Estou com quase 35 anos e fazendo isso, sem precisar me entregar para o crime e outras paradas erradas. Eu me vejo desenvolvendo projetos reais, passando para as pessoas o que eu aprendi.

Em relação ao que eu vou possuir, já desencanei, me sinto muito tranquilo aqui. Só quero um canto meu, produzindo minha arte, e não vai ter preço que pague isso, nenhuma empresa pode me patrocinar e me dar o que eu tenho no momento. Quero continuar nessa onda de independente, de fazer o meu trabalho e ver qual vai ser o resultado. A gente vai ganhando essa grana e vendo se dá para investir em alguém no futuro, um artista que valha a pena, tudo pelas nossas pernas.

“Quero continuar fazendo o que faço, pintando, cantando rap, dialogando com as pessoas sobre as coisas que eu acredito e represento.” Crédito: Davi Ferreira

Fael Tujaviu segue agora projetando alguns clipes para o futuro e mantendo seus projetos sociais, como a batalha do Para Paz e os eventos de grafite, em várias partes da cidade. Para acompanhar seu trabalho, é só visitar o canal no Youtube e suas páginas no Facebook e Instagram.

Fael Tujaviu – Fruto da Favela (Part. Tiago Mac – Prod. Xará)

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