Tempo de pranto e ranger de dentes

Alguém reclama, no facebook, da falta de costura política no Congresso para o próximo governo, a coalizão que sustenta a tal da governabilidade, esse palavrão que às vezes derruba governos inteiros. Aí, outro alguém, num tom aborrecido, explica que o presidente eleito sempre prescindiu de partidos e apoios políticos; ele tem o whatsapp e o tuíter para buscar o apoio diretamente no eleitorado, sem os parlamentares eleitos. Curioso, já que é político profissional, deve conhecer os meandros da Câmara dos Deputados, inclusive o seu braço direito é um deputado gaúcho bem do seu feitio. Não caiu de paraquedas dentro do sistema como Trump.

A intenção de agir politicamente via tuíter e zap foi interessante nos Estados Unidos durante a campanha eleitoral e nos primeiros meses de Trump, como forma de deixar a órbita dos partidos políticos tradicionais. Com o passar do tempo, se restringiu à turma do apoio incondicional, e as eleições legislativas recentes foram uma resposta do sistema, elegendo para à Câmara de Representantes de vozes das minorias abominadas pelo presidente, que são as mesmos daqui, com exceção dos latinos. Esse negócio de governar pelas redes e mídias sociais deu certo em casos específicos, como o plebiscito inglês do Brexit, mas no dia a dia a conversa é outra, ainda mais num país atrasado como o Brasil, cuja população vota num defensor da tortura, dos esquadrões da morte e avisa que vai exterminar a oposição.

Um texto atribuído a Bolsonaro circula na web afirmando que a verdadeira luta não é contra a corrupção, mas sim contra a dominação da esquerda. Desce a níveis de paranoia, enxergando comunistas em toda parte do aparelho do estado. O que interessa, no entanto, é que o próximo presidente foi eleito como resposta à corrupção, seu ministro da Justiça será o juiz da Lava Jato e dizem que até o japonês da Federal terá cago importante no governo. Quer dizer, o eleitor votou no fim da corrupção e vai levar o fim da esquerda e dos avanços alcançados nos últimos 15 anos. A roubalheira vai continuar, com discurso fake no zap e no tuíter.

Gente inteligente, antenada, por dentro das coisas, que optou por um antipetismo pessoal e intransferível, sabia onde estava se metendo e a todos nós juntos quando digitou o voto. Não imaginava, então, o quão fundo poderíamos descer e já se assusta a cada anúncio de novo ministro, novo presidente de estatal, a cada porrada que alguém dá na nossa direção. Não foi ingenuidade, foi escolha consciente. A turma que lê, acessa sites estrangeiros, frequenta seminários, fóruns, sempre soube que houve um golpe no impeachment da Dilma e depois na prisão de Lula. Um golpe que vem desde 2013, com Liliana Ayalde na embaixada americana em Brasília, vindo do Paraguai, onde havia derrubado Fernando Lugo em processo semelhante. Já é história…

Já a imensa maioria que votou na extrema direita foi induzida pela Cambridge Analytica e seu método que elegeu Trump há dois anos. O parlamento britânico forçou e obteve acesso aos intestinos do Facebook exatamente para descobrir como e o que fizeram para monitorar 87 milhões de perfis nos Estados Unidos e assim influenciar no resultado das urnas. Está acontecendo agora, vamos aguardar as revelações que com certeza virão à tona. Cada dia mais cresce a consciência internacional de que Donald Trump é um agente do complexo industrial militar financeiro que comanda a ruína do capitalismo americano e nos Estados Unidos o socialismo democrático, com Bernie Sanders à frente, é hoje a grande novidade no cenário político. É para integrar este time que Fernando Haddad foi convidado, em mais uma evidência da importância que se dá ao Brasil lá fora – o oposto do que se diz aqui, quando se rotula a ONU de comunista e o aquecimento global de invenção da esquerda.

Como costuma acontecer, estamos a reboque dos Estados Unidos, desta vez em desvantagem total, sem chance de dar certo porque a crise lá é estrutural, enquanto nós estamos a copiar modelos fracassados onde foram implantados, como o dos Chicago Boys. Bolsonaro diz que o ministro da economia é seu “posto Ipiranga”, em alusão à série de anúncios engraçadinhos da rede de combustíveis, e promete mobilizar seu eleitor pelo zap para pressionar o Congresso. Por aí você imagina o que podemos esperar do futuro presidente da República e seu governo de pranto e ranger de dentes.