No Complexo do Alemão não tem praia, mas tem projeto de surfe.
Quando eu ouvi pela primeira vez a respeito do “Surf no Alemão”, perguntei: – Como assim, gente?
A minha tolice na época em questionar isso era pelo fato de não ter praia próxima ao Complexo. Dã!
Mas, o que isso impediria um jovem de 29 anos, que se deslocava de sua casa, no Loteamento da Nova Brasília, até à praia do Recreio do Bandeirantes, que fica a cerca de 50KMs do Complexo do Alemão, de idealizar um projeto que ligasse o esporte ao Alemão?
– Nada o impediu.
Um belo dia, ele saindo para “pegar uma onda”, um menino o parou e perguntou se podia ir com ele.
Em outros dias, o número de jovens ia aumentando.
Esse menino é o Matheus Oliveira, o qual está até hoje.
Wellington Cardoso, é esse cara. O cara que foi na contramão do que muitos imaginam que poderia ser o destino de garotos e homens que ficam soltos pelas ruas da favela.
O Projeto “Surfe no Alemão” fará oito anos e aproximadamente cem jovens já passaram por ele.
Nesses anos, uma das coisas que quase ocasionou o término do projeto foi quando dois meninos que fazia parte entraram para o tráfico e um deles foi preso.
Infelizmente existem essas situações e por mais que façamos esforços para contribuir para uma mudança, não depende somente de nós.
Para participar do projeto, o Wellington deixa que eles têm que estar matriculados na escola, tirar média 7 por disciplina, ajudar nos afazeres domésticos e respeitar o ser humano e meio ambiente.
Essa história é tão fascinante que virou um documentário dirigido por Eduardo Dorneles, o “BR”, também cria do Alemão, e Cléber Alves. O filme, “Surf No Alemão” conta a história do Wellington, narrando a criação do projeto e têm também depoimentos de alguns desses jovens como o Matheus Oliveira (o primeiro da turma) e outros que o consideram como pai, de sua mãe, entre outros envolvidos.
Ah! Eu já era fã e virei mais ainda quando recebi o convite para ser assistente de produção do documentário.
Ao vivenciar mais com o Wellington e com esses jovens, senti que vai muito além de um projeto social de incentivo à prática desse esporte.
Quando comecei meu processo de pesquisa e produção, fizemos uma reunião com os pais e visitei algumas escolas.
Esse contato com as famílias me fez constatar que realmente não se tratava apenas deles serem levados até à praia para aprender a surfar.
Há toda uma preocupação com essas relações e a evolução individual de cada um.
Até indicações para a primeira experiência profissional como jovem aprendiz.
Alguns pais, são muito presentes e participativos. Incentivam, apoiam mesmo.
Por outro lado, há alguns que não dão a mesma força.
Acho que é aí que o Wellington, mesmo sem ter passado pela experiência da paternidade em sua vida pessoal, conquistou e gerou esses filhos que o projeto e a providência divina se encarregou de trazer para próximo dele.
O Wellington é um entusiasmado.
Com muito amor e fé, se constrói essas relações.
Antes de entrar no mar, em um dos dias que os acompanhei na praia, eles se ajoelharam na areia e fizeram uma oração.
Ali vi uma família que se escolheu.
E assim o projeto segue resistindo.
Com essa trajetória, mostrada no documentário “Surf No Alemão” eles levaram o título de melhor filme Documentário sobre esporte e cidadania, no VI festival internacional de cinema – FICC, o qual aconteceu no Teatro Municipal Carlos Gomes, no Centro do Rio.
Uma trajetória da favela para as ondas, das ondas para a telona.