2018 Retrospectiva de Instagram

Existem muitas formas de observar um ano que termina. Doze meses, quatro estações, três centenas e blau de dias, 52 semanas. Muita coisa acontece. É uma volta completa em nosso invisível autorama cósmico, bambolê oval em torno do menino Sol. Resolvi recorrer ao Instagram para rever meu ano. Naqueles quadrinhos, pequenos azulejos na tela de mão, percorri do réveillon passado até hoje. Recomendo que façam o mesmo exercício: retrospectiva via Instagram. Experimente.

Janeiro

Ano inaugurado em clima de férias, sol e mar, amor de filho e mulher amada, hospitalidade de irmão. Pedra do elefante mirando o Atlântico. Refúgio e descanso. Perdido em meio a paradisíacos takes de mar e dias ensolarados, uma única postagem sobre o Julgamento do Lula. Em seguida, mais Niterói. Ensaiar e estrear “Mundo Grampeado”, completando 10 anos de sátira política distópica e desbocada, no teatro projetado por Niemeyer… a Babilônia defronte. Resumo: sol e amor e teatro… e um corvo a espreita.

Fevereiro

Um morcego entra no quarto de minha mãe. Pássaro, Nosferatu, Presidente Golpista. Simbologia ardendo no apê tijucano. E, logo em seguida… engoli o choro: filhote na frente do Museu Nacional. Meu antigo quintal da Boa Vista. Filhote sobre o pedestal, abraçado, maroto, com Isabel, a princesa, e filhos. Molecada mergulhando no lago e a placa de proibição. Filhote de olhos fechados, meditantes, leves, diante da fachada ocre do Palácio… Depois vem a purpurina, os closes bêbados, o carnaval de rua e, que alegria!, o Vampirão da Tuiuti e os manés, os coxas, os golpistinions satirizados pelos Manisfantoches. Mais sátira política, no coração da Sapucaí e no fígado da Globo. E ainda o Parque Laje esfregando na cara do prefeitalibã o Levante Queer. Fechando o mês, o início da mobilização do IntervenSomos: arte cultura educação pra reinventar a cidade, ação-resposta de ativistas culturais ao caô da Intervenção Federal na segurança do Rio.

Março

Começa com close da estátua do Cazuza, galera da Confraria do Impossível versejando no vagão do metrô e pichação “Só cria”. Tudo sob os melhores filtros. Depois mais encontros do IntervenSomos, na Lapa, para articular ações. Ao fim de uma delas, ao chegar em casa, a notícia horrenda, destrutiva, do infame assassinato da Marielle. A Cinelândia chorando, cantando, o Teatro Municipal calado. Horrendo aprendizado da dor. Que cidade é essa em que vivemos? Que gente é essa que fuzila tanta vida? Março doloroso. Buscar forças. Marielle… Marielle… Ecoa… Ainda lembro da ventania bruta daquela noite nefasta. Em seguida, outro espetáculo tenebroso: a votação do plano municipal de Educação e a claque medieval do Bolsonarinho do Desmaio. A primeira vez que tentei conversar com Bolsominions… Março se encerraria com mais Horror: o assassinato da menina Maria Eduarda, dentro da escola. Março homicida.

Abril

Ato pró-Lula no Circo Voador. Marielle ecoando. A foto de um inseto lindo. O post de um Gran General ameaçando um Supremo Federal. Filmei e postei pequenos trechos do documentário “Encontro com Milton Santos”. Foto do Dr. Fantástico, do Kubrick, genial Peter Sellers, profeta das lideranças insanas, desvairadas, loucas. Em seguida… Lula em São Bernardo do Campo dá o último recado antes de ir preso. Abril Enjaulado. Depois, 130 pessoas são presas, e permanecem presas por semanas, porque participavam de um pagode promovido por milicianos. Acompanhei a luta dos parentes, filmei sua revolta, ouvi suas agonias, registrei seus protestos e tive mais horror do caminho que a sociedade tomava. Fui a Fundição assistir “Noites do Parangolé”, do Teatro do Anônimo, e sua sátira política circense e sempre revigorante. “Tiroteios aumentam após intervenção”. Poetas Favelados no Circo Voador: a força poética da juventude no ato Marielle Gigante.

Maio

“Vidas Negras Importam” e estátua de Baco, sob linda luz da tarde, na praça Paris. Postei trechos do doc do Leon Hizman sobre o ABC, primeira prisão do Lula. Oficinas culturais do IntervenSomos na Escola Estadual Clóvis Monteiro, em Manguinhos. Filhote pedalando pela primeira vez. Gêmeos mortos no incêndio do prédio ocupado em São Paulo. Brasil infanticida, reincidente. Sempre? Jipes do exército em comboio na Av. Brasil.

Junho

Começa com foto de mesas de bar diante de toda a fachada de uma Farmácia. Retrato do Brasil e de suas rotas de fuga. O início de uma bonita jornada: a candidatura coletiva da cultura da Dyonne Boy, artista, gestora do Jongo da Serrinha, ativista do Reage, Artista! e do Ocupa MinC RJ, encorajada por Marielle. Marielle semente estimulando tantas mulheres incríveis da cidade a enfrentar o espaço de uma Institucionalidade quase totalmente, mas não totalmente sequestrada por uma máfia multiforme. Início de uma jornada de ativismo virtual e presencial. Novas formas de fazer política e comunicação. GIFs, vídeos curtos, debates de rua. Meu aniversário em 22 de junho e mais infanticídio nesta cidade surtada: Marcus Vinicius, meu xará! Assassinado na Maré, vestindo a camisa da escola municipal, camisa que vesti e que tanto me cercou nos últimos anos. Mais morte, mais dor. Mais uma mãe que chora. Mais uma vítima do Apartheid nosso dechavado e escancarado de cada dia.

Julho

Julho começa com “Chama a Márcia”. Crivella, o tosco, em uma de suas mais bizarras cenas. “120 dias sem resposta”. Marielle presente. Atravessamos a Avenida Rio Branco. Mais um ato. Mais gente na rua, protestando. Slam das Minas na escadaria da Câmara. Mãe do Marcus Vinicius, menino assassinado. Incrível a coragem e a força desta mulher. Bala N’Agulha na Arena Dicró, rapcore do subúrbio. Assisto “O Desmonte do Monte” e reflito sobre esta cidade morrocida e anti-pobre. Julho Negro: encontro organizado por ativistas de favelas do Rio, trazendo gente do mundo todo: Palestina, Chile, India, África do Sul. A dor é mundial e a resistência idem. Filhote ganha o primeiro cãozinho vira-lata. Passeio em Paquetá.

Agosto

Passeio com a adorável vira-lata no Maraca. PT lança a chapa Manuella-Haddad. Lula segue preso. Plano B decola? Vai começar a treta eleitoral. Seguimos na candidatura coletiva da cultura, escrevendo programa e gravando vídeos. Inauguração do QueerMuseu no Parque Laje! Julinho Barroso, sempre ele, articulando. Mais Slam das Minas e também Delirioux Fenix e a incrível banda “Verônica Decide Morrer”. “Camelô é cultura”: ambulantes do Rio organizam seu primeiro evento cultural na praça XV. Oficinas do IntervenSomos em duas escolas: Clóvis Monteiro e 25 de abril. A sagaz juventude linda e viva de nossas escolas. Tanto potencial! Muito apelo de Lula Livre. A campanha começa.

Setembro

“Cultura é nossa melhor tecnologia. O Rio precisa mudar com arte”. Campanha esquenta. “Casa Plural” em Santa Teresa. Tatiana Roque e Dyonne Boy: mulheres no poder, cultura e educação no poder. Mas a realidade horrenda bate de novo a nossa porta: as chamas consomem o Museu Nacional! Inteiro! A cidade chora, o país chora! Perda incalculável, cultura virando cinzas. A poucos metros da Quinta, o Maracanã de 1,2 Bi. Os absurdos reincidentes de nosso Estado Mafioso. Em Juiz de Fora, Bolsonaro leva uma facada na barriga! Imagem do Zé Pelintra preso ao lado dos arcos. Dolorosos símbolos. MATER Movimento de Artistas de Teatro do Rio promove debate sobre Lei Rouanet no Teatro Serrador. Haddad ou Ciro? 12 ou 13? Bolsonaro cresce. Mulherada convoca o Ele Não! 29 de Setembro: sopro de esperança com o Centro da Cidade lotado! Abraço Renata Sorrah “Heleninha é Elenão”. Viraliza.  Primeiros debates televisivos.

Outubro

Quase não posto fotos autorais no Instagram. Tudo é eleição e agonia anti-bolso. Guerra narrativa ardendo nas redes. Debates intensos com imbecis verborrágicos e seus argumentos delirantes. “Sinais iniciais do Fascismo”. Faltam duas semanas para a eleição. “Por uma frente ampla do bom senso”. Folha de São Paulo denuncia o Caixa 2 do Bolso e seus empresários muy amigos gastando milhões em fakenews via zap. “Basta um soldado e um cabo para fechar o STF”, diz o Dudu Bolsonaro, o tijucano que me envergonha. A surpresa eleitoral do ano vem o Wilson Witzel, o Juiz que propõe pena de morte automática via-Sniper. Na Lapa, o papo reto de Mano Brown ecoa. Trabalho de base, rapeize! Alguém seguiu? Alguém lembra? Roger Waters arrasa no Ele Não. “Palhaceata Anti-Fascista”, o último suspiro da resistência anti-bolso no Rio. Eu e amore de livro na mão indo votar. Bolsonaro vence a eleição. 55 x 45. Frota com a mãozinha no ombro de Magno Malta, de olhinhos cerrados. Trevas. Witzel vence. É o início da Era Ridicula. Não conseguimos eleger a nossa deputada da cultura Dyonne Boy. Mas três mulheres negras estarão na ALERJ ano que vem. Marielle resiste.

Novembro

“Síndrome do idiota confiante explicam ascenção de Trump e Bolsonaro”. Mais memes. Ridicularizar é preciso. Inaugurado o gabinete de transição: só homens. “Saem Mais Médicos, entram Mais Idiotas”. Barbie do Meme segue na sátira anti-bolsomínica. “Bolsonaro lança o programa Mais Médicis”. Caminhada nas Paineiras. Do alto, a cidade é pura epifania. “Abaixa os olhos, Redentor, e dá uma sacada! Veja que loucura, tu de bobeira não faz nada?”. Parei de ver Globo e GloboNews. Chega. Cansei. A Deusa Mulher Elza Soares brilha na Praça Mauá e fortalece o coração dos aflitos. Wow! “Brigar por justiça e por respeito! Brigar, brigar, brigar”.Termino o mês em Niterói novamente, no Teatro Popular Oscar Niemeyer, discutindo Cultura, Democracia e formas de resistir aos tempos sombrios que se anunciam. Lendo “História da África e do Brasil Afro-descendente”. Hora de refletir.

Dezembro

Acaba, ano tenebroso!!! Mas Bolso nem assumiu e já pipocam escândalos deliciosos: motorista do Junior movimenta 1,2 milhões. A Grande Família da Cruzada Anti-Corrupção praticava a mais antiga forma de corrupção do baixo-clero: se apropriar do salário de funcionários do gabinete. Que maravilha! Que delírio, Brasil! Que rumo escolhemos! O Rio e suas surpresas: descubro uma praia que eu nem sabia que existia, no Flamengo, atrás da Marina. “Funcionários de Flávio repassavam até 99% do salário”. Calor infernal recorrente que sempre nos espanta. Balde na laje. Marco Aurélio manda soltar. Toffoli manda continuar preso. Barraco no STF. Mais um. Lula segue preso. Uma ventania derruba, parte ao meio, uma árvore de 15 metros diante de minha janela. Um sinal. Iansã atenta e ativa.

 

É isso, em meio a fotos tão belas e seus filtros estetizantes popularizados como nunca, esbarra-se na dor de uma cidade, de uma época, em tantas crianças mortas, fuziladas. O ano ainda nem acabou e a polícia matou quase 1500 pessoas. Recorde infame de uma Intervenção Caozada e Sangrenta. Hoje um PM deu seis tiros no rosto de uma pessoa por causa de uma discussão no trânsito. Ano maldito: Marielle assassinada, Lula Preso, Crianças fuziladas, Mães sofrendo, um Idiota eleito presidente por um eleitorado delirante. Tenhamos força, coragem, ousadia e foco para reverter.

Feliz ano novo, pessoal…